Breve História do Poder Judiciário de Pernambuco

Vídeo: 200 anos do TJPE


 

Criado no Brasil, em 6 de fevereiro de 1821, e instalado em 13 de agosto de 1822, o TJPE foi o quarto órgão recursal brasileiro e o último do período colonial.

Importante lembrar que a prestação jurisdicional já se fazia em Pernambuco desde que aqui foi estabelecida a capitania hereditária. A Coroa portuguesa, pela necessidade de implantar uma colonização efetiva, deu ao donatário amplos poderes, inclusive o de jurisdição, para fazer da administração da justiça um eficaz braço da centralização, que se estendeu, pelo menos formalmente, até o século XVIII, e estava definida nos forais e nas cartas de doação. Os órgãos recursais desempenhavam amplo exercício da justiça cível e criminal. Poderiam, além de nomear os ouvidores, meirinhos, escrivães e outros oficiais, supervisionar as eleições dos juízes ordinários das vilas. Sua jurisdição era muito extensa: no cível, alcançava 100 mil réis; e na justiça criminal tinha alçada até a pena de morte, exceto para os privilegiados, que ia até dez anos de degredo e cem cruzados de multa.

Os primeiros tribunais da Relação, que funcionaram na Bahia e no Rio de Janeiro, exerceram também funções para muito além das de cortes de primeira instância ou de apelação. Fora da esfera judicial, ainda prestavam consultoria a governadores e vice-reis, definiam limites entre capitanias, executavam sindicâncias policiais em navios, entre várias outras intervenções de caráter político e administrativo.

Bom destacar que, até 200 anos atrás, para que a população de Pernambuco impetrasse um recurso das decisões de primeira instância, teria que fazê-lo na Relação da Bahia, primeira corte recursal criada no país.

A Câmara de Olinda, em 1654, já havia solicitado a criação de um tribunal em Pernambuco, mas uma decisão régia negou o pedido. Alguns anos depois, em 1672, o mesmo órgão voltou a requerer a instalação, justificando o interesse da população da localidade em ter autonomia jurisdicional em relação à Bahia, argumentando que era difícil para a população do lugar, bem como das capitanias da Paraíba, Ceará e Rio Grande do Norte, deslocarem-se até lá para recorrerem de seus pleitos, principalmente por causa da distância e dos custos de deslocamento para Salvador. Também justificaram o pedido para a criação dizendo que a Bahia não estava em condições de administrar território tão amplo, indicando o aumento da criminalidade como uma consequência da falta de um novo tribunal para o local. Mais uma vez foi negada a solicitação.

Depois de aproximadamente 100 anos, entre 1795 e 1802, as câmaras das principais vilas da capitania de Pernambuco, Olinda, Recife, Igarassu e Sirinhaém renovaram o mesmo pedido à rainha D. Maria I, com argumentos semelhantes aos primeiros. O desembargador Antônio Luís Pereira da Cunha, ouvidor da comarca de Pernambuco, apoiou o requerimento, com o fito de ser nomeado chanceler da Relação.

A negativa de mais um pedido foi justificada principalmente pelo custo que outro tribunal traria para os cofres portugueses e pela diminuição do espaço de jurisdição da Relação da Bahia, que já havia perdido poder e rendas, em 1752, para o tribunal do Rio de Janeiro.

A vinda da família real para o Brasil mudou o cenário da colônia. Houve uma reestruturação administrativa, inclusive da Justiça. Em meio a esse novo contexto, Caetano Pinto de Miranda Montenegro, governador de Pernambuco, novamente requereu a criação de uma Relação no local. Outra vez houve a negativa para a instituição de uma corte de apelação, apesar de ter havido um crescimento da estrutura da justiça de primeira instância.

Alguns anos depois da solicitação enviada pelo governador Caetano Pinto de Miranda Montenegro, Pernambuco foi palco de um dos principais movimentos de contestação ao poder régio, a Revolução de 1817. A revolta se deu contra a monarquia absoluta, contra a ausência de liberdades religiosas, políticas e civis, contra, enfim, o que remanescia do Antigo Regime e do antigo Sistema Colonial nas terras americanas. Ela foi a primeira efetiva independência que aconteceu, ao menos de parte do Brasil, unindo a criação de um Estado e seu ordenamento constitucional. Mas foi logo derrotada.

Sabe-se que a efervescência política era uma constante durante as primeiras décadas do século XIX nas várias províncias do Brasil. À medida que iam chegando as notícias da Revolução do Porto, essa realidade só se intensificava. Logo as Juntas de Governo foram instaladas, substituindo os governadores capitães-generais, nomeados pela Coroa. Esta prática, de início local e sem legitimidade institucional, foi, em seguida, oficializada pelas cortes e constituiu sua mais importante inovação político-administrativa para o Brasil, entre outras razões, porque abolia o poder de D. João VI e do príncipe regente D. Pedro na administração das províncias.

Em meio a esse contexto, seguiu mais um pedido para a criação de um tribunal em Pernambuco, capitaneado pela Câmara de Olinda, usando dos mesmos argumentos que há anos eram escritos pedindo pela autonomia de jurisdição para Pernambuco. Até que, em fevereiro de 1821, no dia 6, o Rei criou no local o tribunal, finalmente. Mas ele demoraria um ano e meio a ser instalado, por motivos essencialmente políticos.

Pernambuco recentemente havia saído de um conflito, como já comentado, a Revolução de 1817. Logo depois de reprimida essa revolta, acompanhando o que ocorria no país, aquilo que era o ideal de nação, governada como um corpo político sob a direção de reis e rainhas, passou a ser o espaço de partidos no local, significando uma quebra do tradicional. Aqui, em 29 de agosto de 1821, foi instalada a Junta Provisória de Goiana, em um processo de lutas vitoriosas, tanto no plano institucional, quanto no plano político, fazendo com que a população vivesse um importante momento de experiência política e militar. Essa experiência juntava-se ao que já havia sido vivenciado em 1817, mas agora em novas condições.

Tais lutas duraram de 29 de agosto até 25 de outubro de 1821, quando, reconhecendo sua incapacidade de continuar no governo e derrotar o movimento iniciado em Goiana, Luís do Rego Monteiro assinou a chamada Convenção de Beberibe, que previa, entre outros itens, a realização de eleição para a escolha de uma nova Junta, com plena legitimidade. Em 26 de outubro do mesmo ano, foi eleita, na Sé de Olinda, com um colégio eleitoral de 130 eleitores, a Junta de Governo presidida por Gervásio Pires Ferreira. Essa eleição indireta representou uma quebra fundamental no que havia sido, durante séculos, o modelo político e administrativo das capitanias e, depois, províncias no Brasil.

Essa Junta contava, entre seus membros, com ex-prisioneiros de 1817 e alinhava-se com o projeto da Revolução do Porto de 1820. Durante o período, que durou de 26 de outubro de 1821 a 17 de setembro de 1822, ocorreram lutas políticas e conflitos sociais intensos, que não tinham apenas um aspecto local, provincial, mas respondiam ao que estava acontecendo no conjunto do território brasileiro. Ressalte-se a fracassada tentativa das cortes de obrigar D. Pedro a voltar para Portugal, o decreto de extinção dos tribunais superiores sediados no Rio de Janeiro e, após o Sete de Setembro, a resistência civil e militar de portugueses em reconhecer a Independência, que se transformara em luta armada na Bahia, no Maranhão e no Pará.

Esse foi o cenário em que foi criado o Tribunal da Relação de Pernambuco e ele muito explica a razão da demora para o seu efetivo funcionamento.

Mesmo depois que a Relação do Recife foi instalada, Pernambuco continuou a ser um lugar de intensas lutas políticas e sociais. Epicentro da Confederação do Equador para todas as províncias do Norte, daqui partiu a mobilização de liberais constitucionalistas de peso contra a dissolução da Assembleia Constituinte, em 12 de novembro de 1823, e teve na pessoa de frei Joaquim do Amor Divino Caneca o seu principal e brilhante defensor.

No primeiro número do Typhis Pernambucano, publicação iniciada por Frei Caneca, que já havia participado da Revolução em 1817, pouco tempo depois do fechamento da Assembleia Constituinte, fez uma declaração de princípios para uma luta que sabia ser crucial. (Sugestão: No primeiro número do Typhis Pernambucano, Frei Caneca, que iniciou a publicação e já havia participado da Revolução em 1817, pouco tempo depois do fechamento da Assembleia Constituinte, fez uma declaração de princípios para uma luta que sabia ser crucial.) Vale conhecer suas palavras para compartilhar um pouco de suas ideias, consideradas rebeldes, perigosas e perturbadoras da ordem instituída pelo imperador:

“Quando a nau da pátria se acha combatida por ventos embravecidos; quando pelo furor das ondas, ela ora se sobe às nuvens, ora se submerge nos abismos; quando, levada pelo furor dos euripos, feita o ludíbrio dos mares, ela ameaça naufrágio e morte, todo cidadão é marinheiro [...]

Firme neste princípio eu levanto a voz do fundo da minha pequenez, e te falo, oh Pernambuco, pátria da liberdade, asilo da honra e alcáçar da virtude! Em ti florescem os Vieiras, os Negreiros, os Camarões e os Dias, que fizeram tremer a Holanda, e deram espanto ao mundo universo; tu me deste o berço, tu ateaste no meu coração a chama celeste da liberdade, contigo eu descerei aos abismos da perdição e desonra, ou a par da tua glória voarei à eternidade.

Acorda, pois, oh Pernambuco, do letargo em que jazes! Atenta os verdadeiros interesses, vê o perigo; olha o medonho nevoeiro que se levanta do sul, e que se vai desfechar em desastrosas tempestades [...]”

Essa análise da situação política do Império, alguns meses antes da Confederação do Equador (1824) e à qual Frei Caneca voltará a desenvolver em diversas ocasiões, não apenas sobre a província de Pernambuco, mas expressa uma posição nacional quanto ao ordenamento político da nova nação. (Sugestão: Essa análise da situação política do Império, alguns meses antes da Confederação do Equador (1824) e à qual Frei Caneca voltará em diversas ocasiões, desenvolve não apenas sobre a província de Pernambuco, mas expressa uma posição nacional quanto ao ordenamento político da nova nação.) O espaço de luta era o das províncias, mas seu significado era nacional. Por isso a Corte do Rio de Janeiro nunca deixou de intervir nas lutas locais.

E os movimentos sociais não pararam por aí em Pernambuco. O ano de 1832 foi difícil para a Regência, que precisou enfrentar pelo menos uma ameaça de golpe e motins em várias partes do Brasil. Os levantes de 1831 e 1832 deixaram marcas profundas na elite urbana, sobressaltada diante da desenvoltura dos negros e pardos durante a Setembrizada. A Novembrada e a Abrilada mostraram ainda que a população livre e pobre era passível de mobilização.

Em 1838, os praieiros começaram a se articular com os liberais da Corte. Seu principal líder era Nunes Machado, que havia sido juiz de direito e chefe de polícia no segundo mandato do governo de Manoel de Carvalho Paes de Andrade. Em 1848, a Praieira foi a última revolta provincial do país em que uma facção das elites locais recorreria às armas para derrubar um governo provincial e tentar impor a vontade do grupo sobre os interesses políticos mais amplos do governo imperial.

Depois de toda essa narrativa, fica mais simples entender que os entraves políticos foram a maior causa para que a instalação do nosso tribunal não fosse imediata e somente acontecesse mais de um ano depois, em 13 de agosto de 1822. A Relação de Pernambuco foi criada para funcionar conforme o regimento do Tribunal da Relação do Maranhão e, durante todo o Império, teve jurisdição no Ceará, Rio Grande do Norte, Paraíba e Alagoas, destacando-se na prestação jurisdicional do país.