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Magistrado da Vara de Violência Doméstica do Cabo aprofunda estudo sobre audiências de acolhimento

Foto mostra dois profissionais da Justiça conversando sentados com mulher sentada que está de costas

Audiência de acolhimento realizada no início do programa, em 2016 

Programa desenvolvido na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher (VVDFM) do Cabo de Santo Agostinho, cidade na Região Metropolitana do Recife, desde dezembro de 2015, a Audiência de Acolhimento visa ao acompanhamento da situação das vítimas de violência doméstica após requerimento de medidas protetivas através de uma escuta qualificada feita pela equipe multiprofissional da unidade. Em 2019, o programa concorreu na categoria Juiz do Prêmio Innovare, pela excelência dos resultados obtidos. O programa registra o atendimento de 1.902 mulheres, de 2016 até 2021. No mesmo período, os juízes Francisco Tojal Dantas Matos e Álvaro Mariano determinaram 121 prisões de agressores e concederam mais de 3 mil medidas protetivas de urgência. Inclusive, durante o ano da deflagração da pandemia do novo coronavírus / covid-19, a unidade judiciária não suspendeu as audiências de acolhimento.

A ideia inicialmente foi de aproximar o Poder Judiciário da vítima, possibilitando melhor entendimento da situação e do cumprimento ou não das medidas protetivas, permitindo, assim, que outras medidas jurídicas fossem acionadas de forma a evitar o agravamento da situação de violência vivenciada pela ofendida. Após cada entrevista, é produzido um relatório acerca da situação de cada vítima, o qual é anexado ao seu processo.

Também pode-se citar outros objetivos que a audiência de acolhimento visa a atingir, que são: informar a vítima sobre seu processo em curso; esclarecer dúvidas iniciais acerca de sua ação e das medidas protetivas; sensibilizá-la sobre a importância de sua ativa coparticipação no processo de enfrentamento da violência doméstica; identificar possíveis necessidades da vítima, realizando os encaminhamentos necessários para a rede de enfrentamento da violência doméstica; e, por fim, colher, organizar e sistematizar as informações através do uso de formulário específico com posterior tabulação dos dados em planilhas.

Tal planificação permite a construção de gráficos e tabelas que fornecem informações sobre o perfil dos atendimentos, construindo assim um banco de dados anual acerca da situação cultural e socioeconômica que possibilitem o melhor entendimento das vítimas. A pesquisa também engloba o contexto social da região, o funcionamento do sistema e o enfrentamento da violência como um todo. A inovação da prática está em inserir, na rotina procedimental da unidade, a audiência de acolhimento como mecanismo de ampliar a proteção das vítimas de violência.

Perfil e depoimentos – Segundo dados de levantamento sobre os atendimentos de acolhimento, produzido pela equipe multidisciplinar da VVDFM do Cabo, dentre as vítimas atendidas em audiência de acolhimento, 38% têm nível médio de escolaridade; 66% declaram ser seguidoras de religião de matriz judaico-cristã; e 22% se declaram pertencentes à raça branca, por exemplo. As três profissões mais comuns entre elas são autônomas, dona de casa e funcionárias de entidades do setor privado.

“O meu problema era que o pai de minha filha se recusava a pagar a pensão alimentícia e queria ficar com ela. Na audiência de acolhimento na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Cabo, fui informada de como poderia reivindicar meus direitos e a medida protetiva. Segui todas as orientações que recebi na audiência. Hoje, minha filha recebe a pensão, e meu companheiro respeitou a medida, não se aproximando mais de mim. Por isso, estamos todos de boas aqui. Só tenho a agradecer à Justiça”, afirmou E.K.*, 20 anos.

“Eu fui, por 11 anos, vítima de violência doméstica de meu ex-companheiro. Na Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Cabo, foi essencial o nível de atenção e acolhimento que senti. O atendimento psicológico me ajudou a me conscientizar que eu não era culpada de nada, e sim quem que me agredia de forma constante. Ter tomado coragem para denunciá-lo e ter ido em frente com a ajuda da Justiça foi a melhor decisão da minha vida”, lembrou R.M.S.*, 31 anos.

Diagnóstico de mudança de atitude – “No que tange ao resultado obtido com as mulheres, resta perceptível uma mudança de atitude com relação à vida pessoal”, afirma o assistente social da VVDFM do Cabo, servidor Joaquim Pradines, que junto aos psicólogos Mozart Amorim e Alina Eucaris formam a equipe multidisciplinar da unidade. Para o profissional, é notório que “as mulheres que passam pela audiência de acolhimento saem cientes sobre seus direitos e deveres, identificando situações abusivas no relacionamento que apontam para ocorrências violentas sérias no futuro”.

Na visão do psicólogo Mozart Amorim, “a audiência de acolhimento se constitui no momento para o encontro das garantias legais com as necessidades práticas de vida das vítimas, as quais possuem um momento propício para dirimir suas dúvidas, bem como para o Judiciário entender melhor seu público-alvo. Após esse primeiro atendimento prestado pelo Judiciário, a vítima pode sentir-se mais confiante na resolução de seu conflito, como também mais senhora das rédeas de seu próprio destino”.

A psicóloga Alina Eucaris pontua que, do ponto de vista emocional, “o que se observa é que essa mulher sai do encontro de acolhimento melhor do que ela chegou, porque ela amplia o ângulo de visão sobre aquele contexto de violência doméstica. Ela começa a perceber aspectos antes negligenciados sobre ela mesma, identifica que não é culpada e sim uma vítima da situação. Ela é, de certa forma, convidada a ter um olhar mais positivo sobre si mesma, perdoar-se pelas suas escolhas, compreender que tem o direito de ser amada, de ser feliz e de recomeçar, independente do seu passado, porque a partir dali ela exerceu um direito seu de dignidade, de liberdade e de igualdade nas relações afetivas, familiares e na vida em geral. Ela sai do Acolhimento ciente de que, quando a mulher consegue dizer ‘não’ para o agressor, dando um basta na violência, ela na verdade está dizendo o mais profundo ‘sim’ para si mesma”.

Mais uma imagem de audiência de acolhimento realizada no início do programa, em 2016 

Dissertação de Mestrado – “Fruto de uma construção coletiva que está em constante aprimoramento”, é assim que o juiz Francisco Tojal, um dos idealizadores da iniciativa institucional, descreveu o Projeto Audiência de Acolhimento. Desde o ano de 2020, no curso de mestrado de Direito Constitucional, promovido pelo Instituto de Direito Público de Brasília (IDP-DF), o juiz estuda a importância da implementação das audiências de acolhimento na construção da política judiciária individualizada. “Eu acredito que a audiência de acolhimento pode ajudar a dar mais efetividade às medidas protetivas de urgência, na medida em que avalia as necessidades individuais das mulheres e ativa toda a rede de enfrentamento.”

O título da dissertação é “Uma Nova Perspectiva da Lei Maria da Penha: a Experiência de Acolhimento das Mulheres em Situação de Vulnerabilidade (...)” que será defendida em 2022. O magistrado destacou que o seu objetivo ao escolher a temática foi avaliar a dinâmica da audiência de acolhimento sob o ponto de vista teórico e prático, olhando, inclusive, para o seu potencial de escalabilidade, para fins de contribuir com o aprimoramento da prestação jurisdicional.

“Como juiz, tive, durante esses anos, um contato prático, detalhado e profundo com as dores das mulheres em situação de violência, reveladas também teoricamente em estudos de Direitos Humanos sobre a violência de gênero. Estou no mestrado para avaliar como a audiência de acolhimento pode ser transformadora não apenas do ponto jurídico, mas também, social, individual, na medida em que pode trazer uma mudança de comportamento para a vítima e contribuir com sua educação em direitos”, defendeu o magistrado.

Na visão do juiz Francisco Tojal, o objetivo central do Poder Judiciário nos processos de Medidas Protetivas de urgência é evitar a prática de feminicídios, ao promover a interrupção do ciclo da violência. “O crime de feminicídio é uma tragédia anunciada, um crime que pode ser evitado, se for interrompido o quanto antes. É necessário exercitar um olhar cada vez mais atento, multidimensional e complexo que esteja em sintonia com o fenômeno da violência doméstica contra a mulher. A proposta da audiência de acolhimento é de ajudar o Judiciário a desenvolver esse olhar", ressaltou.

*Os nomes das mulheres foram preservados.

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Texto: Redação | Ascom TJPE
Fotos de Arquivo | Ascom TJPE - Rodrigo Moreira Fotos - Maker Mídia