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20 de novembro: um dia de consciência que precisa ser de toda a sociedade

Imagem mostra figura de uma mulher negra, com a frase 20 de novembro, Dia da Consciência Negra

 

O Dia Nacional de Zumbi dos Palmares e da Consciência Negra, celebrado em 20 de novembro, foi estabelecido no intuito de trazer à reflexão questões fundamentais como a desigualdade social brasileira imposta pelo racismo. Instituída oficialmente por meio da Lei Federal nº 12.519/2011, a data surgiu inicialmente em 1971, a partir da iniciativa de um grupo de jovens negros da cidade de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. A pesquisa sobre a luta dos seus antepassados os levou a questionar a legitimidade do 13 de maio, data da assinatura da Lei Áurea, como referência de celebração do povo negro. 
 
Para destacar o protagonismo dos ex-escravizados na luta pela liberdade, eles sugeriram o dia 20 de novembro, data da morte do líder quilombola Zumbi dos Palmares, como um marco de conscientização para as questões raciais no país. Como a Lei não transformou a data em feriado nacional, os governos dos estados e municípios brasileiros podem optar pelo seu reconhecimento. Atualmente, a data é considerada feriado nos estados de Alagoas, Amazonas, Amapá, Mato Grosso, Rio de Janeiro e São Paulo.
 
A conscientização sobre o racismo estrutural, que continua definindo os espaços ocupados pela população negra no Brasil, precisa ser alcançada por todas as camadas sociais, sendo imprescindível seu reconhecimento pelas instituições. A juíza do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), Luciana Maranhão, afirma que é preciso romper o ciclo de racismo construído ao longo de todos esses anos. “Lembro que o termo ‘consciência’ está intimamente vinculado ao conceito da luta antirracista, como diz a filósofa Sueli Carneiro* quando afirma que ‘O racismo é um sistema de dominação, exploração e exclusão que exige a resistência sistemática dos grupos por ele oprimidos, e a organização política é essencial para esse enfrentamento.’” 
 
Para a magistrada, que atua como gestora do Pacto Nacional do Judiciário para Equidade Racial, assinado pelo Judiciário pernambucano, a data constitui um importante marco simbólico na desconstrução do racismo. “Posso dizer que não é o ‘dia’, mas são todos os dias, anos e séculos que demandaram assumir a significação da Consciência Negra nesse grande e belo país que, disfuncional do jeito que o conhecemos, relega e exclui a maior parte de sua população, que é a negra, especialmente a de mulheres negras. A referência da data não é maior que o simbolismo da luta antirracista histórica e atual. A luta e a comemoração estão intrinsecamente conectadas”, destaca.
 
Foto mostra mulher negra, de cabelos curtos e óculos, sorrindo para a câmera
A juíza Luciana Maranhão é coordenadora do GT Equidade Racial e Combate ao Racismo do TJPE
 
Em dezembro de 2022 o TJPE criou o Grupo de Trabalho Equidade Racial e Combate ao Racismo no intuito de atuar na construção da Política Judiciária Estadual de Equidade Racial e Combate ao Racismo do Tribunal. Houve a realização de encontros com diversas entidades e uma audiência pública onde representantes de movimentos antirracistas no estado puderam apresentar propostas. O projeto de texto da Política será votado pelo Tribunal Pleno do TJPE. 
 
De acordo com o Diagnóstico Étnico-Racial do Poder Judiciário, realizado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e apresentado em setembro deste ano, o percentual de integrantes negras(os) de magistradas(os) no TJPE é de 11,3%, de servidoras(es) é composto por 20,5%, e de estagiárias(os) representa 44,3%. No documento, as opções para o enquadramento estavam de acordo com a classificação de raça/cor trazida pelo IBGE, incluindo as opções preta(o) e parda(o) como correspondentes à autoidentificação de raça/cor “negra”.
 
“O TJPE, ao aderir ao Pacto, reconhece a necessidade de verticalizar o seu letramento para melhorar a sua atuação no combate à discriminação e na implementação dos eixos para a equidade racial no âmbito institucional e interinstitucional”, afirma Luciana Maranhão.
 
Foto mostra mulher negra falando ao microfone e outro braço levantado
Marta Almeida durante sua participação na Audiência Pública promovida pelo TJPE
 
Homenagem – Neste Dia da Consciência Negra, o Tribunal de Justiça de Pernambuco presta uma homenagem a Marta Almeida, uma das maiores lideranças da causa das mulheres negras em nosso estado, que faleceu em 13 de setembro de 2023, vítima de um acidente vascular cerebral (AVC). Marta Almeida, que tinha 44 anos, atuava como coordenadora do Movimento Negro Unificado (MNU-PE) e conselheira nacional de saúde. 
 
Como coordenadora do MNU-PE, participou da Audiência Pública organizada pelo Grupo de Trabalho Equidade Racial e Combate ao Racismo do TJPE, realizada em maio deste ano, onde ressaltou a importância de resultados efetivos para a população que sofre com o racismo. 
 
A necessidade de se promover a representatividade racial dentro do Poder Judiciário foi uma das propostas trazidas por Marta Almeida durante a audiência, onde fez referência aos eixos de atuação propostos pelo Pacto Nacional do Judiciário pela Equidade Racial, do CNJ. “A gente trouxe propostas para que a gente pudesse se ver aqui. Não só representada na senhora (juíza Luciana Maranhão), mas em todos os cargos. Preciso estar aqui no computador, preciso estar no RH, preciso estar lá fora. Não quero só ficar na faxina e no cafezinho, mas eu posso estar ocupando outros espaços, eu quero ser sua assessora, doutora, mas com que eu vou ser sua assessora?”, questionou na ocasião.
 
“Do mesmo jeito que a gente tem o cursinho popular de igualdade racial para que os pretos entrem na universidade, precisa fazer cursinho pra gente se ver aqui. Porque a única coisa que a gente vê aqui é a gente saindo algemado atrás das grades. Como esse espaço pode ser estimulante? Que a gente possa perder o medo de adentrar aqui”, completou. 
 
Marta Almeida era educadora, pedagoga, integrava o Conselho estadual de Promoção da Igualdade Racial (Coepir) em Pernambuco e o Comitê Institucional Metropolitano de Mulheres Negras da Secretária da Mulher de Pernambuco. Ela dedicou sua vida à luta antirracista, ao direito à saúde e ao direito à existência e visibilidade de mulheres lésbicas e membros da comunidade LGBTQIA+.

 

“Ser negro é tomar consciência do processo ideológico que, através de um discurso mítico acerca de si, engendra uma estrutura de desconhecimento que o aprisiona numa imagem alienada, na qual se reconhece. Ser negro é tomar posse dessa consciência e criar uma nova consciência que reassegure o respeito às diferenças e que reafirme uma dignidade alheia a qualquer nível de exploração. Assim, ser negro não é uma condição dada, a priori. É vir a ser. Ser negro é tornar-se negro”. 

Neusa Santos Souza**

 

 

*Filósofa, escritora e ativista antirracismo do movimento social negro brasileiro, Aparecida Sueli Carneiro Jacoel nasceu em São Paulo, em 1950. É Doutora em Filosofia pela USP e fundadora do GELEDÉS – Instituto da Mulher Negra, sendo considerada uma das mais relevantes pensadoras do feminismo negro no Brasil.
 
**Psiquiatra e psicanalista nascida na Bahia e radicada no Rio, Neusa Santos Souza foi psiquiatra e psicanalista, tornando-se uma referência no tratamento de pacientes graves. Além da psicanálise, Neusa se destacou na luta antirracista e foi cronista e articulista em jornais e revistas. Em 1983 publicou o livro "Tornar-se Negro", prestando uma grande contribuição à área das relações raciais. 
 
 
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Texto: Amanda Machado e Victória Brito | Ascom TJPE
Arte: Núcleo de Publicidade e Design | Ascom TJPE
Foto 1: Cortesia
Foto 2: Assis Lima | Ascom TJPE