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João David de Souza Filho: um século de vida e uma carreira de dedicação à Justiça

Uma trajetória de vida que caminha lado a lado com a história do Judiciário pernambucano. Assim podemos retratar a carreira do desembargador aposentado João David de Souza Filho que, ao completar 100 anos de idade no último dia 30 de junho, é um dos homenageados no aniversário de 200 anos de instalação do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE). Em comum, ambos carregam um histórico de importantes conquistas para a efetivação de uma Justiça ao alcance de todos e do compromisso social como um pressuposto para a democracia.

Para contar um pouco dessa história de dedicação à magistratura e ao Judiciário, a equipe da Ascom TJPE foi conversar com João David de Souza Filho que, com um século de vida e muita lucidez, disse receber a homenagem do TJPE com a característica que sempre permeou sua existência. “Eu recebo com muita humildade. A humildade sempre me caracterizou e ela continua com essas manifestações todas que tenho recebido”, declarou. 

Filho de João David de Souza e Luiza Severina David de Souza, João David de Souza Filho nasceu em 30 de junho de 1922, na cidade de Santa Maria do Cambucá, no Agreste do estado. Em 1947, formou-se em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE) e poucos meses depois foi aprovado no concurso para juiz do TJPE. O desembargador conta que a inspiração e o incentivo para ingressar na área do Direito e na magistratura vieram do pai. “Assim que o Tribunal publicou o edital, ele me surpreendeu e me mandou pro Recife fazer a inscrição. Fui aprovado com nota 9,5.”, lembra orgulhoso. 

No ano seguinte foi nomeado como Juiz de Direito, sendo a comarca de Serrita, no Sertão, sua estreia na magistratura. Dessa época, João David recorda que um dos principais desafios era a quantidade insuficiente de funcionários e que a Vara era composta, em sua maioria, por Ações Penais. Após Serrita, o magistrado atuou nas comarcas de Salgueiro (1948), Pedra (1950), Lagoa dos Gatos (1950), Taquaritinga do Norte (1951), Surubim (1952), São Joaquim do Monte (1957) e Água Preta (1958), até ser promovido, por merecimento, para a Capital em 1962. 

Quando perguntado sobre a permanência nas cidades do interior, João David fala com carinho dessa época, mencionando as amizades que fez ao longo dos anos. “Eu por onde andei fiz muitas amizades. E uma comarca que me deixou boas lembranças foi Salgueiro, talvez porque eu quase me casei por lá, no Sertão do estado. Eu sempre me lembro de Salgueiro, e hoje está uma cidade excepcional, cresceu muito. Tem muitas comarcas também que me motivaram, mas eu adoro Salgueiro”, revelou.

Chegando na Capital, o magistrado atuou em Varas de Família durante 15 anos, e diz que essa área do Direito é a que sempre teve mais afinidade. “Sempre foi atribuição de nós, juízes, o lado social e o lado familiar. Então eu não arredava”, disse, referindo-se a não abrir mão de defender essas duas questões. “Família é tudo. Eu sou doido pela minha família”, completou.

Nesse período, o magistrado também exerceu atividades no Tribunal Regional Eleitoral de Pernambuco (TRE-PE) durante dois biênios e chegou a atuar como presidente da instituição. Pelo critério de antiguidade, João David de Souza Filho foi promovido a desembargador do Tribunal de Justiça de Pernambuco no ano de 1984. Em 1987, foi eleito Corregedor Geral da Justiça e, em 3 de fevereiro de 1992, assumiu a Presidência do TJPE. “Todos os cargos de direção do Poder Judiciário eu exerci: juiz, desembargador, corregedor geral, juiz eleitoral, presidente do TRE e presidente do TJPE”, mencionou.

Em sua gestão como presidente do TJPE, João David de Souza Filho realizou uma importante expansão na quantidade de unidades judiciárias, com a instalação de sete novas comarcas e vinte e nove novas varas, no Interior e na Capital. Os municípios de Ferreiros, Ibirajuba, Itaíba, Maraial, São Vicente Férrer, Primavera e Santa Maria do Cambucá, sua terra natal, passaram a funcionar como comarcas independentes. Também houve a instalação de Varas Criminais nas Comarcas do Cabo de Santo Agostinho, Jaboatão dos Guararapes, Palmares, Serra Talhada e Vitória de Santo Antão; e duas varas criminais na Comarca de Paulista. Além disso, foram instituídas a 5ª Vara Cível de Jaboatão, a Vara Privativa da Assistência Judiciária no Cabo de Santo Agostinho e a Vara Privativa da Família, Infância e Juventude de Petrolina.

Ao final da gestão, estavam em funcionamento a 4ª e 5ª Varas da Fazenda Pública Estadual, a 3ª Vara de Sucessões e Registros Públicos e quatro varas cíveis por distribuição, todas já criadas desde 1981. Também foram inauguradas a 6ª Vara da Fazenda Estadual, a 2ª Vara da Execução Penal e a Vara dos crimes contra a Administração Pública e Economia Popular.

Outro importante legado deixado por sua presidência foi o encaminhamento à Assembleia Legislativa do Projeto de Lei nº 413 para que fosse criada a Vara Privativa de Crimes contra a Criança e o Adolescente, através da Lei Estadual nº 10.756, de 12 de junho de 1992. A proposta foi aceita pelo Poder Legislativo e no dia 10 de janeiro de 1996 ocorreu a instalação da unidade, através do Ato Conjunto nº 51/96, assinado pelo então presidente do TJPE, desembargador Luís Belém de Alencar.

Em 30 de junho de 1992, o desembargador João David de Souza Filho aposentou-se do Tribunal de Justiça de Pernambuco em virtude da idade máxima de permanência na magistratura, que à época era de 70 anos de idade. Em homenagem recebida pelos relevantes serviços prestados à magistratura, realizada na Assembleia Legislativa de Pernambuco (Alepe), o magistrado falou sobre o tempo que ficou no comando do TJPE:

“Em cento e trinta e seis dias de Administração, completados hoje, pouco mais de quatro meses no comando do Poder Judiciário, tenho na percepção do tempo o sentimento de que ele não escoou. Está esse tempo inteiramente condensado e incorporado nas obras que pude realizar, tempo que não foge ou se refugia no passado, é tempo construído de missão cumprida e que se torna corolário de mudanças porque aproximou o futuro e enriqueceu o presente. Presente de uma Justiça mais presente. Futuro de uma Justiça melhor”.  

Ao falar sobre a carreira que construiu ao longo de 44 anos de trabalho vocacionado, como ele mesmo define, João David demonstra com saudosismo o sentimento de dever cumprido. “Eu adoro a minha profissão. Mesmo agora na aposentadoria, acho que o tempo melhor que eu passei na minha vida foi como magistrado em atividade. Quando me perguntam qual a minha profissão, eu sempre digo 'magistrado'. Tenho um apreço muito grande pela magistratura do meu estado”, ressalta. 

Atualmente, o desembargador aposentado mora no Recife, próximo à família, de quem fala com bastante afeição. “Tudo que eu faço é em função da minha família. Tudo que eu faço é em função dela. E ela tem muito merecimento para isso”, declara. João David gosta de desfrutar de momentos de lazer com a leitura de jornais, pois faz questão de se manter sempre atualizado, e nos vídeos de música argentina que assiste pela internet. 

Sobre o privilégio de chegar aos 100 anos de idade com saúde e vitalidade, o magistrado diz não ter uma receita pronta, leva a vida com a simplicidade costumaz. “Não me preocupo muito com isso não. Levo a minha vida normal, não cometo excessos. Na minha vida nunca cometi excessos, não tem nada de especial”. Além da vida regrada e dos hábitos simples, as caminhadas na orla de Olinda faziam parte da rotina de João David, mesmo quando a prática de atividades físicas ainda não eram tão difundidas.

Durante toda a conversa, a cidade de Santa Maria do Cambucá foi um ponto abordado com bastante carinho pelo desembargador, que nos últimos dois anos precisou interromper as visitas à fazenda e os passeios a cavalo que tanto gosta em virtude da pandemia da Covid-19. Para demonstrar todo esse apreço, resgatamos um trecho do discurso de posse de João David de Souza Filho como presidente do TJPE:

“Isso evoca as minhas origens, com a lembrança do lugar geográfico e natural do berço, do qual nunca me distanciei. Santa Maria do Cambucá, feliz expressão de minha existência naquilo que é credo e encontro comigo mesmo, canto da terra que purifica tópico do ser, atmosfera do eterno. Ali estão os alicerces de mim, as primeiras impressões do mundo, a sinceridade e a confiança extraídas de sua gente, a capacidade de plasmar os sonhos. Riqueza e alegria no que existe de mais espiritual. É sempre chegada, é sempre permanência, é o cálido sentimento do semi-árido quente, lugar aberto de infinito na minha condição humana”. 

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Texto: Amanda Machado | Ascom TJPE
Foto: Assis Lima | Ascom TJPE