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Construído há 44 anos na Zona Oeste do Recife, o Complexo Penitenciário do Curado sempre foi considerado um problema crônico de Pernambuco. A histórica superlotação e a estrutura precária o transformaram, durante anos, numa espécie de barril de pólvora. De oito meses para cá, entretanto, o complexo prisional, antes chamado de Professor Aníbal Bruno, vem se transformando. Claro que ainda existem muitos problemas, mas, comparado ao que era no passado, melhorou muito.
O esforço inédito para mudar a situação das três unidades que integram o complexo - Frei Damião de Bozzano, Juiz Antônio Luiz Lins de Barros e ASP Marcelo Francisco de Araújo - envolve várias instituições: Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), Corregedoria Geral da Justiça (CGJ), Assembleia Legislativa, Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Defensoria Pública de Pernambuco (DFPE), Tribunal de Contas do Estado (TCE), Secretaria estadual de Justiça e Direitos Humanos.
Juntas, essas instituições formam o Gabinete de Crise do Curado, grupo que foi criado em agosto passado, após inspeção do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e Corregedoria Nacional de Justiça na justiça criminal e no sistema prisional de Pernambuco.
De agosto de 2022 para cá, foram muitos os avanços. Só para se ter uma ideia, quando da vinda do CNJ, existiam 6.509 presos no complexo. Atualmente, segundo números da Secretaria Estadual de Ressocialização (Seres), são 3.342. Ou seja, saíram 3.167. É importante destacar que nos últimos oito meses nenhum preso foi encaminhado para o Curado.
As saídas não se deram de forma indiscriminada. As pessoas que estavam presas no Curado saíram através de alvará de soltura, livramento condicional, progressão para regime aberto, progressão para regime semi-aberto ou foram transferidos para outras unidades prisionais.
"Essas liberações foram analisadas de forma muito criteriosa. Só saíram pessoas que efetivamente tinham o direito de sair, e no tempo certo. Ninguém foi posto para fora apenas para esvaziar o presídio", explica o desembargador Mauro Alencar, coordenador da área criminal do TJPE.
Diariamente, além dos juízes das Varas Criminais de Pernambuco, existem mais 15 magistrados atuando com objetivo de analisar os processos de réus presos.
Comentando a redução da população carcerária no Curado, o defensor público-geral de Pernambuco, Henrique Seixas, vislumbra um novo panorama. "Destes dados, extrai-se a possibilidade de reduzir o cenário de superlotação do sistema prisional, a violação de direitos, melhorar a gestão do sistema prisional, sem que exista construção de novos presídios ou abalo à segurança pública do Estado. A Defensoria Pública, juntamente com estes outros atores do sistema de justiça criminal, veio a atuar para que este cenário viesse a se concretizar".
Na esfera do Executivo, várias ações também vêm sendo tomadas. A Secretaria Executiva de Ressocialização (Seres), que é ligada à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, informa uma seleção pública simplificada foi concluída e contratou 113 profissionais (22 psicólogos, 27 assistentes sociais, seis advogados, 32 assistentes de ressocialização, 18 analistas de monitoramento, seis técnicos de informática, três analistas de sistema, dois engenheiros civis e dois arquitetos) para fortalecer o processo de reestruturação do Complexo do Curado e continuar avançando, nos casos autorizados pelo Poder Judiciário, com a diminuição da população carcerária das referidas unidades prisionais.
A Seres acrescenta, ainda, que pelo menos 954 novas vagas estão sendo criadas com a obra do Presídio Frei Damião de Bozzano (PFDB). Além disso, uma área apelidada de BR, onde os presos ficavam completamente ao relento, já não existe mais desde novembro passado.
Para a secretária de Justiça e Direitos Humanos, Lucinha Mota, a participação de todos os atores envolvidos na temática prisional é importante para que se consiga avançar com mais celeridade. "A competência do sistema prisional não é só do Estado, mas de todas as entidades que tratam de segurança pública, justiça e direitos humanos. Por isso essa integração é tão necessária", explica.
Ainda de acordo com a secretária, investir na melhoria do sistema penitenciário é fomentar uma sociedade mais segura para todos. "No Brasil não há prisão perpétua. Todo preso tem data de saída e a forma como conduzimos a ressocialização é que vai dizer como esse detento voltará para o convívio da sociedade", completa Lucinha.
O MPPE também participa ativamente das iniciativas que estão transformando os três presídios. "Encaramos os problemas existentes no Complexo do Curado de forma séria e transparente. Com esse trabalho conjunto do Ministério Público, Judiciário e Defensoria, realizado com todo cuidado e atenção que cada caso requer, conseguimos reduzir em quase 50% a superpopulação nas três unidades. As condições ainda são ruins, mas vamos continuar buscando o objetivo de assegurar o respeito aos direitos humanos no Sistema Prisional de Pernambuco", destacou o procurador-geral de Justiça, Marcos Carvalho.
Para se ter uma noção de como a questão do Curado virou uma prioridade do Poder Público, o presidente do TCE, Ranilson Ramos, vistoriou as obras ali realizadas em pleno 31 de dezembro do ano passado, quando muitos já se preparavam para os festejos da passagem do ano.
O desembargador Mauro Alencar destaca que, após a vinda em agosto de 2022, o CNJ retornou em novembro e em abril. Em uma das vezes, inclusive, elogiou a articulação inédita verificada em Pernambuco.
"Nós vemos nitidamente o comprometimento e o empenho de cada uma das instituições. Todos significativamente entendendo o papel que devem desempenhar e constatando os problemas e desafios a serem superados. Não são situações simples e corriqueiras. São situações de acúmulos históricos e que mostram sobretudo que a solução não passa pela realização compartimentada ou tomada de decisões singulares. A união de todos desse gabinete mostra que situações complexas só são possíveis de se vencer através de um consenso coletivo sobre o problema, sobre os desafios, mas sobretudo pela forma complementar de atuação de cada um aqui presente.
Hoje nós saímos muito satisfeitos em perceber grandes avanços que vão sendo costurados, que vão sendo realizados, que vão sendo sobretudo alcançados a partir desse esforço", avaliou, em 11 de novembro passado o juiz auxiliar da Presidência do CNJ e coordenador do Departamento de Monitoramento e Fiscalização do Sistema Carcerário e do Sistema Socioeducativo (DMF/CNJ), Luis Geraldo Sant'anna Lanfredi.
Cinco meses depois, o CNJ voltou a Pernambuco. Desta vez, a presidente do Conselho e também presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Rosa Weber, visitou as unidades prisionais e viu de perto as obras que estão sendo tocadas no local. Ministros e magistrados estiveram presentes, inclusive o presidente do TJPE, desembargador Luiz Carlos de Barros Figueirêdo.
Ou seja, o CNJ tem acompanhado de perto o que Judiciário, Executivo, Ministério Público e Defensoria têm realizado. "A gente vem cumprindo rigorosamente o que o CNJ determinou", diz o desembargador Mauro Alencar.
Os problemas no Curado não vêm de hoje. Sua histórica precariedade levou a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) a condenar o Estado brasileiro em 2018 e determinar, entre outras medidas, a vedação de novos ingressos e o cômputo da pena em dobro em virtude da gravidade do contexto das três unidades prisionais que compõem o Complexo.
Na inspeção realizada em agosto, o CNJ estipulou um prazo de oito meses para que 70% dos presos deixassem o complexo. Diante da necessidade de estabelecer critérios rigorosos para a libertação ou transferência dos presos para outras unidades e sem que novos presídios estivessem prontos, o cumprimento da determinação na sua totalidade ainda não foi possível, apesar do avanço inédito.
Ainda assim, o Gabinete de Crise continuará empenhado e trabalhando de forma para atingir a meta fixada pelo CNJ.
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Texto e foto: Saulo Moreira | Ascom TJPE