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As memórias de Andréa Epaminondas Tenório de Brito remetem a uma infância "cheia de liberdade protegida", como ela descreve, entre primos e amigos que a acompanham até hoje. Viveu no interior até os setes anos de idade e morou em várias comarcas, pois seu pai era magistrado. "Na Andréa criança vive a casinha de boneca, o pastoril, as corridas de bicicleta, o cheiro do leite tomado no curral, o banho de açude, os passeios a cavalo, o banho de mar depois dos arrecifes, o jogo de vôlei, em que a rede era amarrada nos coqueiros, as partidas de futebol e a patinação no ritmo de Rita Lee. Tenho a alma sertaneja, molhada pelo sal da praia de Boa Viagem. Um privilégio!", descreve.
Há mais de trinta anos, a vida de Andréa é compartilhada, com seu marido, José Henrique, com quem divide um amor constante, intenso, de cotidiano leve e cúmplice. "E o amor é tanto que gerou duas filhas biológicas, a advogada e recentemente aprovada no Exame Nacional da Magistratura (ENAM), Vitória, e a médica, anestesista residente no Hospital Federal de Ipanema, Isabel, e temos duas filhas do coração, a engenheira de produção, Maria Irene, e a administradora de empresa, Ana Luíza, que trabalham com os negócios da família", conta.
Andréa Epaminondas Tenório de Brito foi eleita desembargadora pelo Pleno do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), no dia 4 de novembro deste ano, na Sala de Sessões Desembargador Antônio Brito Alves, no 1º andar do Palácio da Justiça. No dia seguinte tomava posse formal para exercer o seu mandato na 3ª Câmara Cível do Judiciário estadual pernambucano. Ela foi eleita na mesma sessão em que também foi promovida ao 2º Grau Ângela Cristina de Norões Lins Cavalcanti. Juntas às magistradas Daisy Andrade e Valéria Wanderley, elas contabilizam agora quatro magistradas num universo de 58 desembargadores.
O julgamento célere dos editais de paridade de gênero foi medida adotada pelo presidente do TJPE, desembargador Ricardo Paes Barreto, com o objetivo de garantir a representatividade do trabalho feminino na Segunda Inst do Poder Judiciário de Pernambuco. A iniciativa traz perspectivas de mudanças a médio e longo prazos. "É preciso destacar que, nos últimos tempos, o número de mulheres aprovadas nos concursos tem aumentado significativamente. O Judiciário está atento às mudanças sociais. Nada mais coerente do que adotar medidas efetivas para reparar o trilhar das magistradas dentro dos tribunais. O edital de paridade de gênero é medida prática para a busca da justa proporcionalidade. Trago um sentimento de alegria (também pela reparação), e posso prometer que permanecerei dando o meu melhor para o jurisdicionado e para honrar o meu Tribunal", considera.
O passo dado no TJPE rumo a uma mudança da representatividade feminina no Judiciário e a declaração da magistrada são acompanhados na sequência por uma fala que expõe uma visão concreta e explícita do patriarcado do contexto vivenciado ao longo da sua vida. "É inegável que o mundo segue machista. As mulheres recebem tratamento diferenciado a menor, no sentido do desenvolvimento e/ou do exercício de suas capacidades. Note-se que, neste momento, algures no mundo, mulheres não têm o direito de serem alfabetizadas, o que dirá frequentar universidades. A inexistência da igualdade nas relações entre pessoas gera o desconhecimento das necessidades e dos anseios dos que compõem o mesmo tecido social, sendo certo que as mulheres, nessa perspectiva, enfrentam grandes dificuldades para fazerem parte dos espaços decisórios", reflete.
Nascida na cidade do Recife, em 9 de outubro de 1965, filha de Aluiz Tenório de Brito e Zeneide Maria Epaminondas de Tenório, formou-se na Faculdade de Direito do Recife, em janeiro de 1988, onde também seu pai estudou, e foi seu professor da cadeira de Direito Civil. "Eu e ele, na qualidade de alunos, sentamos nas mesmas carteiras, de madeira e ferro. Minha filha e sobrinhos também frequentaram a Casa de Tobias e, igualmente, assistiram às aulas das mesmas carteiras. Tantas lembranças! A abertura política, o movimento estudantil, as passeatas, as leituras de poesias, o novo vocabulário que se apresentava, o latim, a filosofia! O horizonte era tão largo, que se podia sonhar em ser o que quiser e refazer os sonhos", recorda.
A escolha pelo curso de Direito ela hoje avalia como uma opção que foi ganhando forma com o passar dos anos. "Sempre gostei da palavra escrita e, consequentemente, sou uma boa leitora. Sou pessoa de muitos livros. Como esquecer Capitu, que me foi apresentada pela prosa de Machado de Assis? Lembro-me que, quando li Anna Karenina: ouvi no meu quarto o relinchar de um cavalo que se encontrava participando de uma corrida. Depois de apresentada a Grande Sertão: Veredas, só conseguia escrever imitando (muito mal), a escrita de João Guimarães Rosa. Com espanto, n’O Estrangeiro, dei de cara com a fragilidade humana, pois podemos matar um ao outro sem precisar de grandes motivos. Não conseguia terminar as últimas páginas do livro O Coronel e o Lobisomem, pois já sabia que Ponciano de Azeredo Furtado iria morrer. O que falar de Hereges, de Leonardo Padura? Tornei-me amiga íntima de Rembrandt. As matérias de História e Literatura sempre me deram prazer. A escolha do curso de Direito foi um caminho natural", destaca.
Magistrada há trinta e três anos, foi assessora do desembargador do TJPE João Davi de Souza Filho e promotora de Justiça do Estado de Pernambuco, por cerca de um ano. A primeira comarca na magistratura em que atuou foi Tacaratu, situada no médio São Francisco. Posteriormente, trabalhou nas comarcas de Belo Jardim, no Agreste do Estado, e na cidade de Olinda. Em seguida, assumiu a titularidade de uma das varas da comarca de Camaragibe. Por fim, chegou à Comarca do Recife, sendo titularizada na 12ª Vara de Família e Registro Civil desta Capital, onde trabalhou por quase vinte e seis anos.
Sobre o que significa o exercício da profissão, o sentimento que tem em relação às pessoas que a incentivaram no exercício da sua carreira, e sobre os desafios que enfrenta, Andréa Brito revela: "O trabalho para mim tem sido sempre um prazer, apesar das dificuldades enfrentadas no dia a dia. Aproveito para agradecer toda a minha equipe pois, sem o trabalho árduo dos servidores, não entregaria a solução quase imediata que o exercício da jurisdição no direito de família exige. A construção da pacificação dos jurisdicionados é a maior satisfação para esta magistrada, A vida me foi profícua em apresentar pessoas que me incentivaram a escolher com liberdade o caminho por onde trilhar. Assim, todos os meus mestres merecem meu agradecimento e respeito. Quanto aos desafios, um dos maiores que enfrento na apreciação dos processos é manter a mente sempre aberta e sem ideias preconcebidas.", observa.
Questionada em relação ao que representa ser mulher no 2º Grau do TJPE, Andréa responde: "Essa pergunta é muito ampla e a resposta mais exata caberia em uma coleção de livros. Portanto, apenas vou apresentar a singularidade do meu sentir, que reside na capacidade de ser tocada pelo sofrimento e pela alegria do próximo, bem como ser desafiada diuturnamente. Consequentemente, tenho múltiplos deveres que nascem do afeto, do cuidado e das imposições sociais", analisa.
Além da evolução na paridade de gênero, a magistrada se mostra otimista em relação ao atual cenário do Judiciário nacional. "Enquanto magistrada com mais de trinta anos do exercício da jurisdição, não presenciei retrocessos. Muito pelo contrário, vivenciei avanços: seja na universalização do acesso ao Judiciário, na constatação do robustecimento de sua estrutura, ou mesmo na devoção ao compromisso do incremento da produtividade. Cheguei à Segunda Instância através do edital de paridade de gênero. Por fim, vejo com otimismo o rumo do Judiciário", conclui.
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Texto: Ivone Veloso | Ascom TJPE
Foto: Assis Lima | Ascom TJPE