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Conheça a história da criança pernambucana que foi adotada por um casal paraibano
O dia 11 de abril de 2024 marcou a história de uma família onde o amor ultrapassa a questão sanguínea. Essa foi a data em que a pernambucana Maria Kauani, de oito anos, tornou-se oficialmente filha de Kamila, 39 anos, e de Felicio, 57 anos. Kamila é médica veterinária e Felicio, biólogo. Casados há 11 anos, eles moram em Patos-PB, e decidiram que queriam adotar a menina. Maria Kauani é uma criança com microcefalia.
A audiência da adoção foi conduzida pela a então juíza titular da Vara da Infância e Juventude de Jaboatão dos Guararapes, Christiana Caribé; e contou com a presença da coordenadora do Programa de Apadrinhamento do Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), a assistente social Carla Novaes; e da promotora do Ministério Público de Pernambuco (MPPE), Diliani Mendes Ramos.
Na audiência, foi abordado que sob os cuidados da família biológica a criança não tinha seus direitos assistidos. Havia denúncias de que a genitora não era cuidadosa com a saúde da menina. Assim, Kamila e Felicio, que eram cadastrados no SNA (Sistema Nacional de Adoção), ficaram com a sua guarda provisória. “Ela chegou em nossa casa com um quadro de desnutrição. Quando a levamos aos médicos nos disseram que se permanecesse sem uma assistência poderia até falecer”, contou a mãe. Atualmente, Maria Kauani é acompanhada por um terapeuta ocupacional, pediatra, nutricionista, endocrinologista, fonoaudiólogo, fisioterapeuta, psicomotricista, neurologista, ortopedista e otorrinolaringologista. Além disso, tem acesso a importantes práticas físicas que tem contribuído bastante com o seu desenvolvimento físico e socioemocional, como natação e ballet.
“Para que a criança não permanecesse em uma instituição de acolhimento durante a tramitação do recurso interposto nos autos da ação de destituição dos pais de Kauani, concedi a guarda provisória da criança ao casal que já estava habilitado no SNA. Essa decisão se mostrou de extrema importância, visto que a tramitação do processo durou um longo tempo entre o TJPE e o STJ, em razão de vários recursos interpostos pela Defesa. Caso tivesse permanecido durante o período do julgamento dos recursos, provavelmente teria perdido a chance de ser adotada, porque a cada ano que as crianças ficam mais velhas as chances de uma adoção vão diminuindo. Principalmente no caso dela, que é uma pessoa com deficiência, as suas chances são ainda mais reduzidas”, ressaltou Christiana Caribé.
A juíza explicou como funcionou o processo: “O art 157 do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) autoriza o juiz a conceder a guarda provisória da criança a pessoas idôneas quando os motivos do afastamento da família são graves, ouvindo o Ministério Público (MP). O recurso contra a sentença de destituição do poder familiar é recebido apenas no efeito devolutivo. Assim, em caráter de tutela antecipada, ouvido o MP, o magistrado pode conceder a guarda da criança /adolescente a pessoa idônea, para evitar prejuízo ao seu direito à convivência familiar e comunitária. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) recomenda que essa guarda seja concedida a pessoas inscritas no Sistema Nacional de Adoção. Transitada em julgado a sentença de destituição do poder familiar, a adoção será concedida aos guardiões.”
Durante a audiência, Felicio disse que não tinha pensado em nenhum perfil para adoção. Eles não tinham preferência por gênero, cor ou se era ou não uma pessoa com deficiência. “Quando a conhecemos foi paixão à primeira vista”, disse o pai. A juíza perguntou a reação da família do casal quando souberam que a família iria ganhar uma nova integrante. Responderam, com unanimidade, que os parentes se aproximaram, ainda mais, deles. Eles têm uma boa rede de apoio, principalmente da avó materna, Maria Aparecida, que os ajuda bastante com os cuidados da filha. “Felicio é um paizão! Ele me ajuda em tudo. Está sempre presente, fazendo questão que a nossa filha participe de todas as atividades da vida social, como qualquer outra pessoa”, destacou Kamila.
“Essa história é muito linda e inspiradora, porque nela está envolvido muito amor e empatia. Por meio dela, podemos tirar diversos ensinamentos de nível espiritual, social e jurídico”, refletiu a juíza. Para finalizar, a magistrada concluiu: “Durante o tempo que o casal ficou com a guarda provisória de Maria Kauani eu sempre recebia as fotos dela, tinha acesso às informações sobre o seu convívio com a família, estava ciente do quanto estava progredindo em seu desenvolvimento. Então, parabenizo a toda a família por tanto amor e zelo a vida dessa criança.”
Os pais da menina vibraram com a notícia da conclusão do processo adotivo. “Estamos muito felizes”, disse a mãe. Somado a isso, o pai deu um largo sorriso e, juntos, abraçaram a filha. Agora, além de ter os seus direitos assistidos, Maria Kauani possui o mais importante de todos: o direito de ser amada!
“Ser mãe de Maria Kauani é uma missão que Deus me deu”
Kamila contou como surgiu o desejo de se tornar mãe: “Sempre quisemos ser pais, mas eu não conseguia engravidar. Ao fazer os exames foi constatado que Felicio era infértil, então conversamos e decidimos pela adoção. Passamos cerca de 10 meses na fila do SNA. Chegamos a conclusão de adotar Maria Kauani quando começamos a receber as suas fotos, por meio da equipe da Vara da Infância e Juventude de Jaboatão dos Guararapes. No momento que a conhecemos pessoalmente já nos apaixonamos. O encontro foi indescritível, marcado por uma mistura de sentimentos: felicidade extrema, amor, alegria, todos os bons sentimentos vividos em um único momento. A sensação de pegá-la no colo foi a certeza de que ela era, realmente, a nossa filha. Desde esse dia passamos a sentir um amor sem medidas.”
A mãe da criança falou como ocorreu a adaptação da menina com a nova família. “A sua adaptação foi imediata, não sei explicar ao certo. Para mim, o que aconteceu foi que ela nos reconheceu como pais desde que nos conheceu, pois logo no primeiro dia demonstrou se sentir muito a vontade e segura em nosso lar. Além disso, foi maravilhoso ver como os nossos familiares acolheram a nossa filha. Ao tomarem conhecimento da adoção, acharam o gesto lindo e quiseram rapidamente conhecê-la.”
No entanto, os pais destacam alguns desafios que enfrentaram, já que, apesar dos avanços, a educação inclusiva no Brasil ainda precisa traçar um longo caminho. O casal teve dificuldade em encontrar uma escola para a filha. Entre as que se interessaram, duas delas disseram que não tinham mais vagas, porém eles perceberam que era apenas uma desculpa para não acolhê-la. “Mas, na escola que ela estuda hoje, fomos bem recebidos. O diretor sugeriu que eu passasse o dia com Maria Kauni para acompanhar a sua adaptação, observar a didática das professoras e como as crianças iriam reagir. Notei que todos da escola a receberam muito bem. Os seus colegas acolheram a nossa filha com muito amor e bastante cuidado. As próprias crianças tomaram a iniciativa de incluí-la nas brincadeiras.”
No início da adaptação, o casal providenciou uma cuidadora para ficar com a filha no colégio, já que as professoras não conseguiriam conciliar dedicar total atenção a Maria Kauni e atender as necessidades de todas as crianças da sala de aula. “Porém, quando deixávamos ela na escola e voltávamos para casa, o seu emocional ficava um pouco fragilizado. Já que Maria Kauni não falava, não conseguia externar o que estava sentido e começava a vomitar. A psicóloga afirmou que provavelmente era uma forma do seu corpo reagir, de colocar o sentimento para fora, como medo ou algo do tipo, e nos aconselhou a sempre buscá-la no colégio juntos, para ela se sentir mais segura.”
Com o tempo, a estudante foi se acostumando com a nova rotina da sala de aula, mas aí surgiu um novo desafio. “Hoje em dia não temos mais cuidadora, porque a sua antiga cuidadora arrumou um novo emprego. Desde então, tentamos contratar novos profissionais, tivemos para isso até o apoio da escola que estuda, mas quando as cuidadoras conheciam as limitações de Maria Kauani davam algumas desculpas para não aceitarem o emprego. Assim, quem tem ido para a escola com ela sou eu. Alguns dias temos que faltar, porque ela tem terapias. Mas temos a compreensão da coordenação da escola”, expressou a mãe.
Maria Kauani gosta de passear, brincar, ouvir músicas, ir à escola e à piscina da fisioterapia aquática. Mas, principalmente, gosta do ballet. A avó, Maria Aparecida, que deu a ideia de colocá-la nas aulas. A professora fez algumas adaptações para ela participar. “Desde então, a nossa filha tem participado das apresentações do ballet. A primeira foi no aniversário de Patos, já que todos os anos a prefeitura promove uma semana de apresentações da cultura local. Foi emocionante, porque ali passou um filme na nossa cabeça, com todas as lutas e batalhas que enfrentamos no dia a dia. Vê-la brilhando daquela forma foi excepcional. As pessoas que estavam assistindo também se emocionaram e foi uma forma de mostrar que não há limitações que possam impedir uma pessoa de brilhar e de ser incluída na sociedade.”
No evento, alguns espectadores que observaram Maria Kauani com a roupinha de bailarina perguntaram aos pais se ela também iria dançar. Disseram que sim. “Daí nos questionaram como a nossa filha iria dançar daquele jeito… Respondi que Maria Kauani dança do jeito dela, na sua cadeirinha! Logo, percebi que existe uma falta de conhecimento das pessoas e manifestações de falas preconceituosas, principalmente de indivíduos de gerações passadas, pois não se discutia muito sobre a importância da inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. Porém, hoje a turminha do ballet de Maria Kauani, por exemplo, já entende as suas limitações e irá crescer tendo uma outra visão sobre a inclusão, que cada um pode ser o que quiser, mesmo dentro das suas limitações. Tudo é questão de querer adaptar!”
No Dia das Mães, Kamila pode expressar, publicamente, qual é o sentimento de ser a mãe da sua pequena bailarina. “Para mim, o Dia das Mães, depois de Maria Kauani, é muito especial! Até me emociono, não sei explicar em palavras esse amor. Para quem sempre sonhou em ser mãe, quando a gente se torna uma, o Dia das Mães é inexplicável. A nossa filha é uma criança especial em todos os sentidos, transborda uma paz, um amor incrível. Então, para mim, é um privilégio ser a mãe de Maria Kauani. Sou muito feliz por Deus ter colocado ela em nossas vidas”, concluiu Kamila.
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Texto: Carolina Cerqueira | Ascom TJPE
Fotos: Cortesia