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Três anos após a adoção, a vida de quatro irmãos pernambucanos filhos agora de um casal americano

Os quatro irmãos com a nova família, no estado de Iowa 

Em Nova Liberty, no estado de Iowa, nos Estados Unidos, os irmãos Wiliam, Enzo, Cristiano e Leandro, com idade entre 5 e 9 anos, vivem uma realidade bem diferente da vivenciada numa instituição de acolhimento no município do Paulista, em Pernambuco. Na casa de acolhida, viveram após terem sido separados dos pais por negligência e outras práticas que os colocaram em situação de risco. Há três anos, são filhos de Brandon e Jennifer Pratt. Chegaram ao novo país, sem saber uma palavra de inglês, mas, segundo os pais, o idioma foi aprendido com facilidade, e eles estão cada vez mais adaptados à rotina. Estudam, viajam e se divertem com a nova família.

A escolha pela adoção, no Brasil, veio da mãe, Jennifer Pratt, que tem uma irmã casada com um brasileiro, de São Paulo. A familiaridade com a cultura brasileira, para ela, facilitaria a adaptação das crianças à nova realidade. O perfil definido era de grupo de até quatro irmãos, com idade máxima de 7 anos. O casal queria vários filhos e não desejava passar pelo processo de adoção mais de uma vez.

Após a inscrição e habilitação para adoção nos Estados Unidos e a definição do país em que havia a preferência para o processo, o casal teve a documentação enviada para a Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja), sendo habilitado também pela comissão e inscrito no Cadastro Nacional de Adoção (CNA). O perfil das crianças que desejava foi encontrado na comarca do Paulista. No Lar Maná, encontraram quatro irmãos, com idade entre 2 e 6 anos, em 18 de julho de 2016. A partir da definição das crianças, o processo começou a tramitar na Vara da Infância e Juventude de Paulista, sendo acompanhado pela Ceja/PE.

Durante o trâmite processual, ainda nos Estados Unidos, Brandon e Jennifer Pratt entraram em contato pela primeira vez com as crianças por videoconferência, possível através do Projeto Conhecer Virtual, desenvolvido pela Ceja/PE. A iniciativa tem por objetivo estabelecer um contato anterior ao estágio de convivência entre adotantes e adotados, minimizando eventuais frustrações advindas de idealizações e fantasias dos envolvidos no processo.

“Nossa reunião por videoconferência foi boa. Foi divertido ver os meninos interagindo um com o outro, mas difícil para todos nós, porque não conseguimos entender o que as crianças estavam dizendo. Foi estranho vê-los pela primeira vez e saber que eles seriam nossos filhos. Acho que seria de esperar ter um sentimento instantâneo de ‘estes são nossos meninos´, mas esse sentimento levou mais tempo para crescer à medida que os conhecíamos melhor”, revela Jennifer Pratt. A viagem para o Brasil para conhecer os irmãos pessoalmente aconteceu no dia 26 de julho de 2016. O estágio de convivência de 30 dias, etapa necessária à adoção, teve início no dia 1º de novembro. Após o período, e a sentença de adoção proferida, a família voltou para os Estados Unidos.

“A linguagem dos meninos começou a mudar rapidamente no momento em que chegamos em casa nos Estados Unidos. Em alguns meses, tinham deixado de usar mais o português entre si e começaram a tentar falar mais inglês. Preservar a língua de origem é importante, mas saber o inglês com fluência é fundamental. Eu sinto que eles pegaram o inglês muito rápido. Alguns deles têm algumas dificuldades, mas já estão recebendo ajuda”, conta Brandon Pratt.

Sobre a formação da família, Jennifer fala dos desafios, dos sentimentos que os mantêm unidos, e das novas experiências que passam juntos e que fortalecem os laços de afeto. “Viver hoje com eles é ótimo. Claro que é um desafio ser mãe de quatro meninos ao mesmo tempo, vindos de outro país, com um passado cheio de inseguranças, mas passamos os últimos três anos ensinando às crianças uma nova definição de família. Tentamos dar a elas o maior número possível de experiências, porque é através dessas vivências que vemos mais crescimento. Viajamos durante cinco semanas neste verão. Tantas férias e novos amigos para conhecer”, comenta Jennifer Pratt.

A escola, segundo Jennifer, é um dos lugares que eles mais gostam de ir. “Como são meninos muito sociáveis, adoram interagir. Entram em contato facilmente com outras crianças e os meninos tendem a amá-los. Eles adoram esportes. Os dois mais velhos jogam futebol e começaram com o futebol americano também neste outono. William, nosso filho mais novo, começou a pré-escola e está adorando. Cada um deles tem personalidades tão diferentes e tem sido um privilégio assistir eles crescerem e aprenderem mais sobre o mundo. Pela graça de Deus, temos quatro meninos saudáveis. A maioria das dificuldades que enfrentamos agora são àquelas com as quais outros pais também estão lidando. Não temos nenhum arrependimento pela nossa escolha de família. Muito pelo contrário. Estamos amando cada momento de descoberta e interação. Somos felizes”, declara Jennifer.

O caso de adoção de quatro crianças pela família nos EUA foi avaliado pela equipe da Vara da Infância e Juventude de Paulista como um sucesso, uma vez que a adoção de um grupo numeroso de crianças ainda não é tão comum. A pedagoga Dircilene Silva, integrante da equipe interprofissional da Vara da Infância e Juventude de Paulista, que acompanhou o processo de adoção dos irmãos, relata as impressões que teve sobre o casal Brandon e Jennifer Pratt durante o período do trâmite processual. “Eles se mostraram muito receptivos ao grupo de irmãos. No início do estágio de convivência, sentiram a mudança de vida de um casal com quatro filhos recém-chegados, contudo buscaram o apoio desta equipe e dos familiares e assim se mostraram muito firmes e amorosos durante todo estágio de convivência aqui no município do Paulista”, analisa a pedagoga.

Segundo Dircilene Silva, durante todo o processo de adoção, a equipe interprofissional da Vara da Infância e Juventude da Comarca da instituição de acolhimento analisa e participa detalhadamente de uma série de aspectos como: preparação para a adoção do casal, a construção dos vínculos no estágio de convivência, a relação entre a criança/adolescente com os adotantes, a condução de conflitos (birras e limites impostos) pelo casal e sobretudo com a criança. Todas essas informações vão para um relatório que embasa a sentença do juiz que decide pela concessão ou não da adoção.

Os irmãos ainda no início do processo de adoção 

Comissão - A adoção internacional em Pernambuco é coordenada pela Ceja/PE. A Comissão acompanha o processo de adoção junto à Vara da Infância e Juventude do município no qual a criança será adotada. A Ceja é responsável por gerenciar e consultar o cadastro referente aos pretendentes a adoções de residentes e domiciliados no exterior, em países ratificantes ou não da Convenção de Haia; zelar pela manutenção e correta alimentação do CNA, em Pernambuco; promover o estudo prévio e a análise do pedido de adoção formulado por candidatos residentes e domiciliados no exterior, que tenham tido seus pedidos acolhidos pela Comissão; e divulgar e incentivar a adoção, propondo ou sugerindo medidas necessárias a assegurar a celeridade dos processos que envolvem crianças e adolescentes.

A secretária executiva da Ceja/PE, juíza Hélia Viegas, destaca a importância de se priorizar a adoção de grupo de irmãos, em contrapartida à adoção desmembrada, fundamentando-se no direito à manutenção do vínculo fraternal entre os irmãos. “O artigo 28, parágrafo 4º, do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), disciplina a regra de se priorizar a colocação conjunta dos irmãos sob guarda, tutela ou adoção, salvo se comprovada existência de risco de abuso ou outra situação que exija situação diversa, a fim de se evitar o rompimento definitivo dos vínculos fraternais”, enfatiza a magistrada.

Pautado nesse princípio, segundo a juíza Hélia Viegas, o Tribunal de Justiça de Pernambuco (TJPE), por meio da Coordenadoria da Infância e Juventude, publicou o Enunciado 45, estabelecendo que “a adoção internacional conjunta de grupos de irmãos em uma mesma família substituta estrangeria deve prevalecer à adoção nacional desmembrada desses irmãos”.

“Pode parecer desnecessário o enunciado, mas, em face do disposto no artigo 51, parágrafo 1º, inciso II, do ECA, que diz que a adoção internacional só será cabível quando esgotadas as possibilidades da adoção nacional, pode gerar o entendimento de que a adoção nacional, ainda que desmembrada dos irmãos, terá propriedade à adoção internacional conjunta deles.”, explica a juíza. No caso dos irmãos do Paulista, a adoção internacional aconteceu porque não houve pretendentes brasileiros dispostos a adotar o grupo.

A magistrada esclarece, ainda, que, inexistindo pretendentes para adoção conjunta de todos os irmãos, busca-se uma adoção desmembrada dos irmãos por famílias solidárias, que são aqueles núcleos familiares que se comprometem a manter o contato entre as crianças, evitando assim o rompimento dos vínculos. O Projeto Famílias Solidárias foi implantado pela 2ª Vara da Infância e Juventude da Capital, em 2012.

Passo a passo - A adoção internacional é realizada por pretendente, residente em país diferente daquele da criança ou adolescente a ser adotado. Para realizar uma adoção internacional, primeiro é necessário fazer a habilitação perante à autoridade central dos pais de sua residência habitual. Brasileiro residente no exterior tem preferência ao estrangeiro, segundo preconiza o artigo 51, do ECA. Após a habilitação, é encaminhado o dossiê dos adotantes à Autoridade Central Administrativa Federal (Acaf), que é o órgão, no Brasil, incumbido da tomada de providências para o adequado cumprimento da coordenação da adoção ou diretamente às Cejas de cada estado. Na Ceja, após a conferência e autuação do pedido de adoção, há a habilitação dos adotantes com a realização de estudo social e psicológico dos adotantes pela equipe da Comissão.

Em paralelo, há a manifestação do Ministério Público do Estado, a expedição de laudo de habilitação dos adotantes, a expedição do certificado de continuidade para adoção e pela autoridade central dos pais de acolhida do certificado de continuidade de concordância ou não com a adoção internacional pretendida. Na sequência, ocorre a inserção dos pretendentes no CNA para adoção internacional. A partir da vinculação dos pretendentes aos adotandos de um determinado município, a Vara da Infância e Juventude da Comarca, onde a criança foi selecionada, participa também do processo de capacitação dos adotandos, fornecendo informações e supervisionando junto à Ceja, o estágio de convivência.

Após essas etapas, embasadas no parecer do Ministério Público e no relatório das equipes interprofissionais que coordenaram o processo de adoção, o juiz profere a sentença. Por fim, há o acompanhamento por no mínimo dois anos da adoção pelo Judiciário. Caso seja constatada alguma irregularidade no núcleo familiar, seja de ordem cível ou penal, o Tribunal entra em contato com Consulado Brasileiro para que essa criança retorne ao país de origem. Os pais que adotaram, nesse caso, respondem judicialmente seja no âmbito cível ou penal.

Veja também: Adoção nacional: conheça o passo a passo

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Texto: Ivone Veloso  |  Ascom TJPE
Fotos: Cortesia