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Apadrinhamento transforma vida de jovem e de toda uma família

A afilhada Jaise abraçada à madrinha Rita Falcão. Ao fundo da imagem um rio

“A gente se entende só pelo olhar”. A declaração é da professora Rita Falcão, de 42 anos, sobre a afilhada Jaise Valdervino da Silva. A relação de cumplicidade entre as duas começou quando a educadora, por meio do grupo “Galera do Bem”, passou a frequentar, em 2015, a Comunidade Rodolfo Aureliano (Craur), no bairro do Engenho do Meio, instituição que abriga pessoas portadoras de necessidades especiais e desenvolve um trabalho de recuperação dos internos. “Jajá”, como é conhecida na família de Rita, tem hoje 18 anos, e possui paralisia cerebral, o que compromete os movimentos das pernas e dos braços e também a fala.

Rita conta que ao chegar no Craur se encantou pelo trabalho desenvolvido na comunidade e pelas pessoas acolhidas no local, estabelecendo uma rotina de convivência com todos, mas Jaise, segundo ela, despertou mais sua atenção. “Passei a frequentar o lugar, sozinha e com grupos de amigos, para ajudar com cestas básicas e nas datas comemorativas, e ela sempre me acompanhava com o olhar em qualquer lugar que eu fosse. Podia ter várias pessoas na minha frente, mas ela sempre me buscava por trás de todos. Percebi uma ligação forte entre nós e o amor só foi aumentando com o passar do tempo”, revela.

A conexão entre as duas levou Rita a apadrinhar Jaise, em 2018, quando a adolescente tinha 16 anos. A professora conta que queria ter mais contato com Jája e poder apoiá-la também fora da unidade de acolhimento. O apadrinhamento escolhido por ela foi o afetivo, desenvolvido pela Comissão Judiciária de Adoção (Ceja) do Tribunal de Justiça de Pernambuco. Por meio da ação, os padrinhos podem realizar visitas regulares aos afilhados na própria instituição, ou levá-los para passar finais de semana, feriados ou férias escolares em sua companhia, possibilitando que eles tenham acesso ao convívio em família. O objetivo é que os padrinhos afetivos acompanhem, orientem, assistam e apoiem o desenvolvimento educacional e o projeto de vida dos afilhados.

A professora lembra o primeiro dia que Jaise chegou em sua casa, no dia 21 de abril de 2018. “Foi bem desafiador por conta das especificidades da sua condição neurológica e eu tentei fazer tudo da melhor forma para ela se sentir bem. Venci o primeiro dia. À noite deitei ao lado dela e ali tive a certeza de que não sairia nunca mais da sua vida. Ela não nasceu de mim, mas acredito que nasceu para mim”, pontua. Desde então, a menina passou a apresentar um quadro nítido de evolução, observada também pelos profissionais da área de saúde que a acompanham. Pequenas coisas fizeram a diferença, como o estímulo para que pudesse mastigar os alimentos, o uso de um colete apropriado que melhorou sua postura, a experimentação com chupetas de alimentação, a busca por posicioná-la melhor até que ela conseguisse levantar a cabeça.

As evoluções foram frutos também das experiências vividas pelas duas. Jajá conheceu o mar, passou a tomar banho de piscina e a fazer novos movimentos até então desconhecidos por ela e a frequentar parques de diversões. Foi numa das visitas a um desses parques que Rita percebeu a falta de brinquedos inclusivos que permitissem a Jaise interagir com o lugar. Pensou, então, em desenvolver um projeto, em 2019, que viabilizasse esses brinquedos, estruturando as suas formas e o propósito de cada um.

Ela apresentou a demanda ao deputado estadual Professor Paulo Dutra, que elaborou um projeto, nº344/2019, que sugere que, no mínimo, 5% dos brinquedos e equipamentos de esporte e lazer instalados em parques, praças e outros locais públicos sejam adaptados para pessoas com deficiência ou mobilidade reduzida. A iniciativa foi encaminhada à Assembleia Legislativa Estadual e foi aprovada. Rita conta que ainda há uma questão burocrática a ser resolvida e espera poder ver em breve os brinquedos tomando conta de todos os parques da cidade. Atualmente, os brinquedos inclusivos estão disponíveis no Parque Urbano da Macaxeira, localizado na Avenida Norte Miguel Arraes de Alencar.  

Jajá foi a inspiração também para um livro escrito por Rosa Falcão, mãe da professora. Escritora de literaturas infantil e infanto-juvenil, Rosa escreveu um livro para cada neto, e também para Jaise, que considera neta. Com o título: “O mundo colorido de Jaise”, o livro, de 16 páginas, narra os fatos vivenciados pela jovem sob o olhar de Rosa. “Descrevo a história de uma linda menina cadeirante que coloriu seu mundo, que era cinza, com a ajuda da sua fada madrinha, pelas vias do encantamento e das viagens pelo mundo do ‘Era Uma Vez’”, fala a escritora.

A literatura dedicada a Jaise pode representar a simbologia dos laços de avó e neta que unem as duas, mas quando começamos a ouvir o relato de Rosa sobre Jajá conseguimos formar o cenário em que foi possível estabelecer esse vínculo. “Jaise possui um olhar brilhando que substitui a falta da oralidade. Quando passamos a conviver com ela tornou-se possível viver essas emoções. Falamos com os olhos, gestos, e um lindo sorriso que expressa a todo tempo. Ela desperta um amor que transborda em cada um de nós, diante de sua delicadeza e pureza”, comenta. Rosa descreve um momento em especial que ficou gravado na sua memória. “Uma noite de Ano Novo, assistindo uma queima de fogos. Acredito que ela nunca havia vivenciado um momento como aquele, foi especial”, relembra.

Os laços que unem Rita e Jaise representam também uma relação familiar, de mãe e filha, segundo a professora. Jajá não mora na casa em que Rita vive com os pais, mas o maior projeto da educadora é dispor de condições que forneçam uma estrutura apropriada à criação da jovem que passa a maior parte do tempo no Craur. “Precisamos de uma logística a qual ainda não dispomos ainda, mas que estamos lutando todos os dias para conquistar e oferecer o que há de melhor para ela. Meu projeto é adotá-la para que ela possa permanecer conosco todo o tempo e vamos conseguir”, reforça. Questionada se um dia pensou em ter filhos biológicos, Rita afirma que a presença de Jaise na sua vida preencheu esse desejo. “Não sinto mais essa vontade da maternidade biológica, só quero um dia ter estrutura de tê-la comigo para sempre”, destaca.  

Para cuidar melhor da afilhada, que a chama de “mamama”, Rita passou a integrar o grupo AMAR - Aliança de Mães e Famílias Raras. A instituição tem como objetivo promover acolhimento e direcionar as mães e demais cuidadores de pessoas com doenças raras sobre seus direitos, estimulando a inclusão social e garantindo visibilidade à causa. É no grupo que ela troca experiência sobre cuidados, projetos voltados à inclusão social, e apoia outras participantes que compartilham experiências semelhantes.

A pandemia pela Covid-19 em 2020 afastou a convivência presencial da jovem com a família. O receio de transmitir o vírus para a menina fez com que a comunicação passasse a ser virtual. Após a vacinação de Jaise, a família tem restabelecido a conexão física seguindo todos os protocolos orientados pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A rotina com os médicos da jovem foi intensificada e tudo está voltando à rotina normal, aos poucos, na medida do possível.

 “O que posso dizer para você hoje é que ela encontrou uma família que a ama e da qual faz parte. Eu tenho três sobrinhos. A caçula, Luana, de 3 anos, nasceu no dia 5 de abril de 2018, e Jaise foi para nossa casa pela primeira vez em 21 de abril do mesmo ano. Então, ela convive desde muito novinha com Jajá e quer ajudar em tudo. Empurrar sua cadeira de rodas, pentear o seu cabelo e diz que é a filhinha dela. As duas estabeleceram uma conexão muito forte de amor. A figura paterna fica a cargo de meu pai, Luiz Saldanha, e de meu namorado, Cleiber Levi, que está o tempo todo comigo nos apoiando nessa história, levando-a para os lugares na minha companhia. Cleiber tem sido um paizão. Ela tenta chamá-lo de papapa e vejo muito carinho e afeto entre os dois. Costumo dizer que o amor cura e tenho vivenciado isso todos os dias não só nela, mas em todos ao seu redor. Fiz uma tatuagem no antebraço em que registrei: ‘Eu a empurro, mas é ela quem me leva’”, afirma.

 

Os pais de Rita, a professora e a sobrinha, e Jaise, na festa de aniversário da afilhada

Com os pais e a sobrinha Luana, Rita comemora mais um aniversário de Jaise 

 

Além do apadrinhamento afetivo, existem mais duas modalidades. Confira abaixo:
 
Apadrinhamento profissional: Esse modelo consiste no oferecimento voluntário de serviços como consulta médica, psicológica, odontológica; aulas de música ou reforço; cortes de cabelo e demais necessidades que podem ser atendidas pelos padrinhos através da oferta do seu próprio trabalho, de acordo com a necessidade de cada criança e adolescente.

Apadrinhamento provedor: Nesse é oferecido suporte material ou financeiro, através de doação de material para suprir uma necessidade do afilhado(a) ou por meio de contribuição financeira mensal, que será utilizada em gastos com escola, reforço escolar, curso profissionalizante ou tratamentos na área de saúde, prática de esportes, entre outras atividades. Também é possível oferecer um suporte material ou financeiro à própria instituição acolhedora para ser utilizado na compra de equipamentos e outros materiais ou serviços necessários à boa prestação do serviço de acolhimento. O apadrinhamento financeiro, como também é chamado, pode ser adotado por pessoas físicas ou empresas que queiram ajudar.

“A grande importância dos programas de apadrinhamento do TJPE é garantir às crianças e aos adolescentes que hoje já estão disponíveis para adoção, porém encontram-se sem pretendentes para a sua adoção, a convivência familiar, que é um direito maior, talvez um dos mais importantes na vida do indivíduo. A convivência familiar e comunitária deve ser garantida a todos e, se não for pela adoção, que seja através do apadrinhamento. Há casos em que o apadrinhamento pode virar um caso de adoção, mas não é o propósito principal. As iniciativas em forma de apadrinhamento profissional e financeiro são fundamentais para dar uma perspectiva de futuro para quando o acolhido sair da instituição de acolhimento”, afirma a secretária-executiva da Ceja, juíza Hélia Viegas.

Os projetos são destinados a crianças mais velhas e adolescentes. Também podem ser apadrinhados crianças e adolescentes com deficiência de qualquer idade. O apadrinhamento não implica vínculo jurídico entre padrinho/madrinha e afilhado(s). Os candidatos a padrinhos/madrinhas não devem possuir demanda judicial, na qual sejam acusados, indiciados ou citados como réus ou cúmplices de crimes previstos em lei.
 
Iniciativas -
 
Atualmente, o TJPE conta com 13 programas de apadrinhamento. Um que abrange todo o estado, que é o Pernambuco que Acolhe, desenvolvido pela Ceja. E os outros 12 que funcionam em comarcas específicas. São eles: Estrela Guia (Recife), Anjo da Guarda (Jaboatão dos Guararapes), Anjos de Olinda (Olinda), Conta Comigo (Paulista), Padrinho do Coração (Abreu e Lima), Farol (Cabo de Santo Agostinho), Mãos que cuidam (Vitória de Santo Antão), Laços de afeto (Palmares), Projeto Laços: desatando nós, construindo relações (Caruaru), Família Amiga (Serra Talhada), Construindo elos (Salgueiro) e Acolhida cidadã (Petrolina).

Para mais informações sobre o Pernambuco que Acolhe, entre em contato com a Ceja através do e-mail: ceja@tjpe.jus.br ou telefone: (81) 3181.5953/5920 ou acesse o link. O horário de atendimento da Equipe Técnica é das 7h às 13h. Para os apadrinhamentos desenvolvidos em cidades específicas, os interessados podem buscar as equipes das comarcas com trabalhos voltados para o apadrinhamento na Infância e Juventude.

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Texto: Ivone Veloso  | Ascom TJPE
Fotos: Cortesia