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Metas? Melhor não tê-las, mas se não tê-las, como sabê-las?

A paródia ao poema Enjoadinho, do Poetinha, como era conhecido Vinícius de Morais, não é por acaso. Recentemente, a presidência do Tribunal de Justiça publicou uma série de instruções normativas e atos com o objetivo de criar e normatizar as competências e o funcionamento das diretorias e outros órgãos internos, voltados ao processamento remoto do 1º grau, dispondo inclusive quanto à indicação de metas mensais de produtividade para tais estruturas.

Todavia, na mente e no coração de alguns magistrados e servidores o antagonismo à adesão de metas ainda encontra refúgio e não é difícil encontrar entre eles quem se desestimule diante do irreversível processo de gerenciamento de metas. A organização dos processos e fluxos e a busca por resultados provocam diferentes reações no público interno, que repercutem diretamente nos modelos cognitivos presentes na instituição e nas interpretações conscientes e inconscientes direcionadas ao estabelecimento de metas. 

As metas, sobretudo aquelas relativas à produtividade, passaram a exigir novos métodos de organização do trabalho, que se amparam na discriminação, sistematização, análise e interpretação de dados. A gestão de dados pressiona as instituições em direção a sua modernização tecnológica, por meio do aperfeiçoamento de sistemas, parametrização e higienização de dados e transformação destes em informações passíveis de serem consideradas nos processos de tomada de decisão, em favor de ajustes e redirecionamento de estratégias.

Para uma parte significativa da instituição, a passagem do mundo e das operações analógicas para as digitais envolvem rupturas psíquicas profundas e, inicialmente, evocam memórias de aprendizados enrijecidos, mas que precisam ser considerados a bem de uma transição cognitiva sustentável e da escolha por estratégias e métodos de ensino-aprendizagem que favoreçam novos aprendizados. Não há freio para tal passagem diante do aumento das demandas judiciárias e das complexidades que chegam ao Poder Judiciário em razão de um contingente cada vez maior de especificidades que envolvem as relações entre diferentes grupos sociais e seus conflitos. Diante deste cenário, sem metas restará o caos. 

Assim, a década de 2020 vai consagrando a transição dos tribunais de um modelo burocrático de gestão, com seus traços patrimonialistas, para o modelo gerencial. Obviamente este processo não é, e nem será, um mar de águas calmas em todo seu percurso, pois é comum e esperado que surjam dúvidas, incertezas diversas, resistências variadas e apegos a lugares e situações de conforto.

Essa transição vem obrigando a todos e a todas, servidores e magistrados, a desconstruções e reconstruções psíquicas e cognitivas. Uma delas refere-se aos conceitos e aos entendimentos sobre gestão, gestores e gerencias. Não faz muito tempo, convencer um magistrado ou magistrada de que, junto a sua atividade judicante, também lhe cabe o papel de gestor de sua unidade jurisdicional, seria considerado praticamente um desacato. 

Com a criação em 2023 do Prêmio Gestão Eficiência e Qualidade, os gestores das unidades judiciais passaram a direcionar atenção para a operacionalização de sistemas, definição de metas, gestão de acervo, capacitação e treinamento de suas equipes e acompanhamento de normas internas. E assim, as gestões seguem organizando a casa, a fim de a prepararem para o futuro que já chegou, obrigadas pela conjuntura a arregimentar esforços para elaborar normas que uniformizem procedimentos e otimizem práticas. Essa é a proposta para qual a cognição e a psique institucional são chamadas a se adequarem, diante de uma realidade de aumento de demanda e discrepância de recursos.

Longe do ócio criativo (reino tão, tão distante), as novas práticas são adquiridas como quem dirige o carro e troca o pneu ao mesmo tempo, impulsionadas pelas pressões sociais por justiça e celeridade, clamores capitaneados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e outros órgãos de controle externo. Desta forma, a gestão de metas e a modernização tecnológica vão ao encontro da perspectiva de promover rapidez e qualidade às respostas para as demandas sociais, o que se demonstrou inviável sob a égide da burocracia. 

Outra desconstrução necessária está na concepção de metas como forma de enquadrar, punir e manter uma relação vertical e opressora de poder entre gestores e cooperadores. Obviamente que a determinação verticalizada de metas inalcançáveis e infactíveis facilmente se converterá na desarmonização das relações interpessoais e na impossibilidade da existência ou sobrevivência de qualquer fator motivacional. O próprio CNJ oferece aos tribunais formas de participação na definição de suas metas, por meio inclusive do Prêmio CNJ de Qualidade, como requisito de pontuação para posicionamento em seu ranking. 

A participação e a cooperação na construção de metas, com a possibilidade de utilização de metodologias ativas podem ensejar uma melhor distribuição de tarefas, além da adequação destas às habilidades e às vocações de indivíduos e equipes, eliminando sobrecargas, retrabalhos e ingerências. Já se percebe o esforço dos tribunais neste sentido, sobretudo nos projetos e propostas de inovação. 

Esse esforço em favor da construção coletiva e horizontalizada de cenários e estratégias, programas e projetos, utilização de recursos e gestão de riscos faz parte da cultura de aprendizagem, ou seja, das maneiras como a organização cria e usa o conhecimento para melhorar seus resultados e seu aprendizado: identificando, analisando, distribuindo e aplicando esse conhecimento.

No caso do gerenciamento e alcance de metas, o desafio é maior do que ampliar o entendimento ou aceitação quanto à necessidade destas. É alinhar o treinamento corporativo à educação corporativa. Enquanto no treinamento corporativo a aprendizagem é fomentada de maneira passiva, com repasse de conhecimento em formato tradicional, visando a melhoria da competência ou habilidade individual em um curto tempo; a educação corporativa tem foco nas necessidades estratégicas e na competividade ou ampliação da finalidade organizacional, com visão de longo prazo e processo de aprendizagem ativa. 

Em um ambiente de aprendizagem diversificado como o do TJPE, é natural que coexistam processos de ensino-aprendizagem múltiplos, entretanto é possível imaginar que alguns se aproximam enquanto outros se distanciam da cultura de aprendizagem institucional.  Quanto menos desenvolvida sua cultura de aprendizagem, mais a instituição assume o risco de perder inestimável capital intelectual e oportunidades de inovação, sobretudo se a cultura predominante se demorar em abandonar a excessiva verticalidade dos processos de decisão ou ignorar conhecimentos e soluções produzidos pelos diversos níveis e membros da organização. 

Para não correr tais riscos, uma gestão do conhecimento com investimento em educação corporativa imbricada em práticas de organização, sistemas e métodos dará fertilidade ao terreno das boas práticas e das inovações, sempre que sejam respeitadas e consideradas as diferentes formas de aprender a fazer justiça. 
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Artigo:  Elaine Vilar