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Discurso de Posse do Des. Jones Figueirêdo Alves como diretor da Escola Superior da Magistratura de Pernambuco, no dia 13/02/2006
A Escola Judicial da dignidade do Poder: um compromisso de futuro
Todos nós somos incapazes de voltar no tempo para sermos o que fomos um dia, por mais que o coração, repleto de retornos, guarneça momentos únicos e transitórios, buscando tutelá-los como perenidades incontestáveis. Essa verdade acerca das finitudes humanas, a destinar o tempo transitório aos arrabaldes próprios da memória, é a mesma verdade pré-socratiana, ensinante de um igual tempo que se faz, por isso mesmo, continuação construtiva, em similitudes de o homem, feito de seu passado, evoluir nos acréscimos de cada dia.
Então, “se nada do que foi será, de novo do jeito que já foi um dia”, tudo mudando o tempo todo; se nunca atravessamos duas vezes o mesmo rio, alterado a cada curso de suas águas; se dias e noites se alternam, nos sinuosos bailados da vida em coreografia categórica do dever-ser; e se o transitório está a dizer que tudo passa, tudo passará, que esse tempo seja, agora, o futuro, Porque é nele que se reinventam os sonhos e as instituições se projetam melhores; tempo que seja sempre quando, na poética refletida de todo ato instante, trazendo o futuro já.
E certo que assim seja, os significantes da impermanência das coisas, terão melhor sentido, na compreensão de o tempo que não dura pra sempre, haverá de ser transformado melhor, sempre melhor.
Esta visão é própria dos construtores de catedrais. Apesar de haverem elas permanecido por dezenas de anos em construção, o decurso do tempo jamais lhes comprometeu o plano arquitetônico original. Os obreiros das catedrais se sucederam, e estas, construídas para o alto, têm suas torres abertas ao infinito. Elas permanecem e se tornam históricas. Tal é a grandeza das instituições. Os protagonistas passam, deixando seus importantes legados e com frequência, tudo se renova em preparação do depois, fonte contínua na relação com o novo.
E em sendo assim, nessa percepção temporal, coloco-me, ao assumir a direção da Escola Superior da Magistratura, muito ciente de que sou apenas mais um construtor cooperante, artesão de muitos esforços comuns, onde o ter presente a lição recorrente do percurso, na sucessão de tarefas e no trespasse não equidistante que mede continuidades, auxilia-me a uma melhor análise do poder confiado. Se o caminho do futuro, mobiliza o gestor por um querer de vontade, bastante advertido estou ao desafio de assegurar que o notável investimento institucional da ESMAPE em prol da afirmação do Poder Judiciário prossiga, em perspectiva de quem sabe o tempo evangélico, onde tudo seja acréscimo ao agudo sentido histórico que esta Escola logrou, em quase duas décadas, obter.
A Escola é hoje, induvidosamente, um dos instrumentos mais responsáveis no processo da verdadeira transformação do Poder Judiciário. Convicto de que a adequada reforma judiciária começa na eficiência do serviço jurisdicional a depender, essencialmente, de juízes e servidores com preparação diferenciada, aprimorados no domínio da ciência jurídica e do humanismo, tenho comigo a advertência mais lúcida de a Escola dever servir, operosamente, como estímulo intelectual dinâmico à vocação dos magistrados e dos que os auxiliam, como partícipes de uma melhor distribuição da justiça.
A tanto, é indispensável referir o juiz como o ator principal no conjunto ordenado de uma operação lógica e sistemática do direito posto, o que o coloca em posição extremamente fascinante, quando chamado a intervir e judicar em plenitude axiológica dos ideais de Justiça. Depositário de todos os anseios sociais, exacerbados, sobremodo, diante de uma crise paradigmática do Direito onde severa oposição entre norma e realidade que marca a Dogmática Jurídica mais se apresenta nas relações entre Estado e sociedade, e do corpo social assimétrico em face do poder econômico, haverá o juiz decisor de exercitar, com urgente aprofundamento, um decisionismo constitucionalizante, como nova forma de compreender e executar o direito. Nesse contexto, o significado social das decisões judiciais em tutela dos direitos fundamentais da pessoa humana e o primado ético na condução dos processos e na solução dos litígios, é fenômeno que mais desafia o homem judicante como responsável pela realização da Justiça, no qual Carlos Cóssio identificou o cânone cognoscente do direito, em sua missão de ciência e de humanidade.
Torna-se indispensável, portanto, definir, em ponto de início, o juiz como a “justiça viva”, em rigor de demonstrar a sua função jurisdicional servindo de fonte de referência do próprio Direito, a saber que da justiça feita, em cada caso concreto, preconizam-se os verdadeiros significados da lei, e para além dela, a consecução do Direito que se fará completo e realizado.
A concepção do Direito como sistema, onde as normas jurídicas constituiriam “o direito e todo o direito”, concepção axiomático-dedutiva do direito, não poderá limitar o “jus dicere”, porquanto as soluções justas somente são alcançadas operando-se o valor do justo à “lógica do razoável” ou à “lógica do humano” que o magistral Recasens Siches concebeu em regra de aplicação para as decisões judiciais, de sentimento primordialmente crítico, refletindo o direito como uma máxima expressão de realidade. Afinal, “o homem tem sentido a necessidade, para aceitar a justiça dos homens, de razões humanas”, consoante adverte Calamandrei, prestando-se a dialética decisória, portanto, a evidenciar que a decisão é justa e porque é justa.
Se isso é verdade, também é correto afirmar acerca do mito da suficiência da lei, para entendermos com Giusepe Maggiore que esta, não esgotando o direito, deve ser aplicada segundo a justiça, onde o fim a atingir não é a sua aplicação pura e mecânica, mas a funcionalidade do Direito como instrumento de atuação e fenômeno vivo da acalentada Justiça. É inevitável, pois, que mecanismos hermenêuticos, em interpretação construtiva da lei, formatem o argumento decisional em profunda compreensão com a realidade vivenciada.
Nessa perspectiva, óbvio parece, então, que a função do juiz e sua responsabilidade social, estão a exigir, corroborando tais diretrizes, o desempenho judicial em presteza do exercício da jurisdição, segundo o princípio da eficiência, contido no caput do art. 37 da Constituição Federal, ali introduzido pela Emenda Constitucional n° 19, de 1998, como novo princípio de administração pública. Em seu significado objetivo, a eficiência como princípio é atinente à obrigação de meios, traduzindo-se no objetivo de se colocar à disposição do jurisdicionado, o melhor serviço, a efetividade ótima, a justiça por excelência em gestão de qualidade, a eficiência que corresponde, segundo Trabucchi, à “diligência do bom pai de família”. Uma justiça com um novo “modus operandi” de modelo de Estado-Juiz capaz de se tornar eficaz vencendo a burocracia para não ser deficiente, rompendo paradigmas, em otimização de trabalho, onde o controle de resultados úteis dimensiona a eficiência extraída do interesse público marcante na prestação dos serviços judiciários, em fundamento primordial de reforma do Poder do Estado.
Vislumbra-se, pois, na concepção desse novo princípio, que o órgão jurisdicional há de ser eficiente, e nessa esteira de pensar, consulta o interesse de o juiz constituir, no seu agir judicante, a relevância do maior grau possível de eficiência no desempenho funcional do Judiciário.
Lado outro, a Emenda Constitucional n° 45, de 30.2.2004, dando nova redação ao inciso II, alínea “c” do art. 93 da Constituição Federal, estabeleceu a aferição do merecimento do juiz conforme seu desempenho e pelos critérios objetivos de produtividade e presteza no exercício da jurisdição e pela frequência e aproveitamento em cursos oficiais ou reconhecidos de aperfeiçoamento.
É de observar que o texto reformador, substituindo os critérios de presteza, exigíveis a rigor de corolário do princípio da eficiência, torna certo, diante da Emenda Constitucional já reportada, a de n° 19, que o atendimento de tais critérios não é uma faculdade do juiz ou dos tribunais. Se tais critérios configuram condição de validade de lista promocional de magistrado, caso é pensar, também, de observância obrigatória, por todos, a eficiência da produção jurisdicional. De consequência, do mesmo modo que é direito-prerrogativa de o magistrado, figurar em lista para promoção, no provimento meritório dos cargos de carreira, segundo o critério de qualificação funcional por educação continuada, em cursos de aperfeiçoamento, é seu dever-direito frequentá-los em arrimo da eficiência, cuja visibilidade maior se traduz na presteza, condizente a sugerir maior produtividade do seu serviço.
É inegável, diante de tais ditames constitucionais objetivos, que a Escola Superior da Magistratura, coloque-se em posição definitiva de prestígio à capacitação de magistrados e servidores, cumprindo-lhe refletir, sobremaneira, o papel de indutora a esse crescente compromisso de qualificação funcional. Por certo, ainda, o critério de segurança, não obstante deletado da dicção normativa maior, pertine com o significado qualitativo das decisões judiciais. A esse propósito, na lição de José Renato Nalini, a segurança dos julgados, “condiz com a adequação da prestação jurisdicional. O juiz seguro no exercício da jurisdição é aquele juiz apegado aos estudos, continuamente empenhado em se aperfeiçoar. A segurança deriva do conhecimento. E o aprofundar-se nele é primeiro dever ético, antes de ser dever funcional.”
Assim, essa atividade decisória, que no trespasse de tensões dialéticas, envolve sabedoria, transcendência, estágio superior de reflexão e uma proficiência de valores, imprimindo ao ato judicante o sacerdócio e o magistério da emissão de juízos justos, se torna mais transparente pelo conhecimento aperfeiçoado, difundindo luz sobre o discernimento, a elevação de espírito e a capacidade de julgar, que orientam a distribuição de justiça feita.
Pense-se também esta Escola Judicial como partícipe inafastável do debate das grandes questões sociais, todas elas nutridas pela prevalência axiológica do valor justiça. Aliás, a luta pelo direito contemporiza-se em tornar realidade o discurso constitucional da dignidade humana (art. 1°, III, CF), o que significa uma interlocução permanente dos órgãos de Poderes do Estado com os movimentos sociais e com a própria sociedade destinatária de direitos, representando, sobremodo, uma interação construtiva para consolidar o processo constitucional do Estado na materialização dos direitos de todos e de cada um, segundo os preceitos da cidadania.
É esse, por evidência de seus elevados atributos personalíssimos, o compromisso maior da gestão do desembargador Fausto Freitas, ao assumir a presidência do Tribunal de Justiça e o seu chamamento imediato a essa responsabilidade institucional é uma concitação da dignidade do próprio Poder Judiciário ao interagir com a sociedade, de forma mais próxima e precisa no catálogo ético de uma justiça social, que começa, inexoravelmente, pela proteção do cidadão em matéria de uma efetiva segurança e do bem-estar de uma existência digna.
Sobre ele referi, certa vez, tratar-se do sineiro que faz repicar os sinos, convocando a todos, para o lugar sagrado, onde homens fundamentais assumem as percepções mais densas de um candente culto à justiça. Mensageiro do essencial, tendo consigo a qualidade de homem múltiplo a estimular visões de futuro, sabemos quanto exitosa e transformadora será a sua administração como líder inconteste de um novo Judiciário.
Esta Escola manifesta-se prontamente presente a seu nobilitante chamado, implicando uma contribuição devotada e supletiva dos juízes e servidores às grandes causas que Vossa Excelência empreenderá, em consciência crítica de que muito há de ser feito em prol da sociedade. Sinalagma de tal contributo é a criação de novas Coordenadorias Técnicas, nesta Escola, sob forte inspiração de metas essenciais já anunciadas em sua Administração judiciária, cujas ações proativas dimensionam a capacidade do novo presidente do Tribunal de aglutinar todas as forças sociais envolvidas.
É criada a Coordenadoria de Estudos Penais e de Controle da Violência, no objetivo de aprofundar estudos e pesquisas criminológicas, mobilizando os magistrados, com competência criminal, na discussão de políticas públicas dirigidas ao controle e combate da criminalidade, em parceria com instituições públicas e privadas comprometidas com a tarefa de mobilização social para o enfrentamento da violência.
Por igual contributo à sua gestão, é também criada a Coordenadoria de Direitos fundamentais, no objetivo de aprofundar estudos, em sede do direito constitucional e infraconstitucional, alusivos à tutela da dignidade da pessoa humana e a um só tempo desenvolver debates mecanismos de garantia dos referidos direitos fundamentais, nas áreas da Infância e Juventude, Idoso e Família e, nas dos Direitos Difusos do Consumidor e do Direito do Meio Ambiente, contando, para tanto, com subcoordenadorias temáticas.
De outro lado, uma nova Coordenadoria, a de Estudos Internacionais, permitirá a integração da ESMAPE com instituições educacionais do exterior, através de convênios com importantes universidades e instituições norte-americanas e europeias, a exemplo da Escola Judicial dos Estados Unidos, em Reno, Nevada (EUA) e do Instituto de Educação Continuada da Universidade de Athens, na Geórgia (EUA).
A saber que o modelo de preparo e formação dos juízes e servidores, em cumprimento constitucional, compete a esta Escola empreender com maior dinâmica, são especificadas duas Coordenadorias, a de Cursos de Capacitação, Atualização e Aprimoramento dos Magistrados e a de Cursos de Extensão e Pós-Graduação, com atualizações distintas para desempenho mais concentrado em suas finalidades.
Afinal, o concurso do aprimoramento cultural e jurídico dos operadores do Direito, para acesso à judicatura, que orientou o curso pioneiro de Preparação da Magistratura, reclama, com urgência, que os destinatários sejam também alcançados já nos últimos períodos da Universidade, capacitando os futuros bacharéis à iniciação de suas carreiras jurídicas. A esse desiderato, a Coordenadoria realizará cursos específicos destinados à comunidade universitária, oportunizando uma nova vis atrativa à magistratura.
É, portanto, consciente das credenciais da Escola ao novo formato constitucional, que solenizo meu compromisso ao dirigi-la, na companhia de todos os eminentes pares do Tribunal de Justiça, fortalecido em alma repleta de gratidão por tal honraria, em epígrafe da denotada confiança, tendo ao meu lado talentosos colegas, dignos do futuro que em tessitura dos ideais alcançam o esforço de um novo tempo, Desembargadores da elevada estirpe de Eduardo Paurá Perez, como vice-diretor; Jorge Américo Pereira de Lira, como Juiz Supervisor; os eminentes desembargadores Bartolomeu Bueno de Freitas, Marco Cabral Maggi, Luiz Carlos de Barros Figueirêdo e Fernando Cerqueira, e os eminentes magistrados Virgínio Marques Carneiro Leão, Luiz Mário de Góes Moutinho, Ana Luiza Wanderley de Mesquita Saraiva Câmara, Alexandre Guedes Alcoforado Assunção, Saulo Fabiane de Melo Ferreira, Sonia Stamford Magalhães Melo, Ana Regina Robalinho, Cíntia Daniela Bezerra de Albuquerque, Fábio Eugênio de Oliveira Lima e Blance Maymone Pontes Matos, como titulares de Coordenadorias ou subcoordenadorias, todos comprometidos com a unidade da magistratura em postura de auto-respeito com a dignidade da função e com a grandeza institucional do Poder a que servem, como órgãos vivificantes desse Poder.
Ao modo de Aristóteles, de Estagira, em sua “Ética a Nicômcaco”, V, 1, 112ª6, “nós observamos que todos os homens entendem chamar justiça essa espécie de disposição que torna os homens aptos a executar as ações justas e que os faz agir justamente e querer as coisas justas”.
Também é justiça, assim, reconhecer a imensa responsabilidade de suceder o eminente Des. José Fernandes de Lemos na direção desta Escola, e a tantos que o precederam, a partir do eminente Des. Nildo Nery dos Santos que forneceu seu DNA em gênese de sua existência. Para eles, reitero o compromisso solene de fecundar o meu trabalho sob inspiração das obras que realizaram.
Aos corpos docente e funcional, ao corpo discente, às Universidades parceiras e aos organismos sociais, assento os maiores propósitos de um envolvimento extremamente participativo.
Entrego o serviço dessa minha palavra-compromisso ao eminente Desembargador Fausto Valença de Freitas, ao meu Tribunal, e à magistratura pernambucana e o estendo, com a identidade de uma amizade pessoal e fraterna de muitas jornadas ao eminente Desembargador Luiz Felipe Salomão, presidente da Escola Nacional da Magistratura.
A eles, expresso a minha mais sólida determinação de irradiar novos amanhãs, festejos de sol na iluminação de um jeito próprio de fazer as coisas essenciais. A Escola é sempre, e o jeito novo é futuro.