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Texto Histórico 6

PROCESSO 17 | ANO: 1934 | JUIZ: RODOLFO AURELIANO

RODOPIOS

O som da orquestra, as luzes, as cores, os diferentes aromas dos perfumes, as roupas de festa, todo aquele clima afastava Manayra dos problemas rotineiros. Mas, sem dúvida, nada lhe trazia mais alegria que a dança. Fechava os olhos e se deixava rodopiar, conduzida ora por um ora por outro parceiro. Não havia nada que ela gostasse mais do que ir aos bailes do Clube Batutas de São José.

Lá, despedia-se das dores e das tristezas, para viver sua juventude. Não era a mais bela das moças, mais tinha seus atrativos, dentre os quais um belíssimo sorriso pueril. Com ele cativara Solano, seu noivo. O jovem encantou-se com a pequena e frágil dançarina, contagiando-se com a felicidade que a moça exalava a cada rodopio. Apaixonaram-se.

O relacionamento entre os dois agradou a mãe da jovem. Viúva há oito anos, dona Márcia agradeceu a Deus pelo partido reservado à filha: rapaz sério e trabalhador. Ela esperava ansiosa por transferir os cuidados com Manayra a seu futuro genro.

O jeito impetuoso da adolescente e sua assiduidade aos bailes não lhe rendiam boa fama junto aos vizinhos. Solano também não via com bons olhos a freqüência com que a noiva aparecia no salão, ainda mais agora que pensavam em se casar. Tentou proibir Manayra de ir ao clube; brigaram e a relação ficou estremecida, o que não demoveu a jovem. Mas ele não se deu por vencido e fez de dona Márcia uma aliada.

Aflita pela possibilidade de ver a filha perder a oportunidade de um futuro melhor, sem tantas privações financeiras, a futura sogra de Solano procurou aconselhar-se com Seu Souza, chefe da Seção de Costumes da Polícia, amigo de seu falecido marido. Este achou conveniente a internação da jovem em um colégio de freiras, mas como a mãe não tinha recursos para mantê-la no internato, foi preciso procurar um juiz de menores para providenciar a internação.

Alegaria o desvio de conduta da filha, a fim de garantir que a sentença do juiz fosse favorável aos planos por ela traçado para a jovem. Depôs e levou testemunhas que asseguraram os riscos da conduta da adolescente, aumentando o tom da narrativa e as cores de suas ilustrações, com o intuito de convencer o magistrado. Durante o processo, a adolescente foi submetida a exame psiquiátrico e de defloramento.

Logo depois, Manayra foi internada no Colégio de Igarassu, com ordem judicial para permanecer por três anos, até completar 21 anos de idade e atingir a maioridade. Ao saber da internação, a adolescente sentiu o torpor da notícia. Desta vez, sentiu as pernas rodopiarem sem rumo e caiu no chão aos prantos, mas não havia o que fazer, conformou-se e fez as malas.

A interna era tratada com carinho pelas freiras, que não lhe poupava conselhos, a fim de que a jovem refletisse sua conduta. Sem a música a impulsionar seus rodopios no salão, a adolescente fazia reflexões sobre sua vida e se entregava a sentimentos de pesar. Lembrava-se do pai falecido, sua falta agora parecia mais forte e sua ausência mais visível. Tinha saudades da mãe e da irmã. Com o tempo, a tristeza invadiu-lhe por completo.

Nove meses se passaram. Magra e abatida, Manayra era diariamente visitada pela febre, acompanhada por constantes acessos de tosse. Dona Márcia percebe o abatimento físico e psíquico da filha, teme que esteja tuberculosa. Movida pelo desespero, busca um advogado, que dá entrada em um pedido de Hábeas Corpus para a adolescente.

Por sua vez, Manayra escreve uma carta ao juiz, juntada aos autos do processo, prometendo-lhe mudar sua atitude. Para voltar a casa, deixaria os bailes, abriria mão da alegria da dança, dos rodopios que lhe alimentavam os sonhos e, até mesmo, construiria uma vida com Solano, cansando-se com ele, se este ainda desejasse.

Nos autos do processo, a diligência promovida pelo comissário de menores descreve as péssimas condições de vida ofertadas pela genitora, fruto de suas dificuldades financeiras, impossibilitando o retorno de Manayra ao lar, no estado de saúde em que a adolescente se encontrava.

Dona Márcia percebe a gravidade da situação que construíra para filha e busca ajuda junto ao padrinho da jovem. Funcionário público e professor, Seu Alcebíades, padrinho de Manayra, compromete-se em Juízo a acolher e cuidar da adolescente como se esta fosse sua filha adotiva. E assim, a adolescente é liberada do internato.

Nos jardins do colégio, esperando pela mãe e o padrinho, a jovem fecha os olhos e escuta em sua mente o som da orquestra, seu coração bate de alegria, influenciando-lhe as pernas. Ainda cambaleante e convalescente, ela permite-se sonhar embalada por seus últimos rodopios.

 

A história é baseada em fatos processuais e todos os nomes utilizados são fictícios.

Texto e adaptação: Elaine Viana Vilar