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Texto Histórico 5
PROCESSO 371 | ANO: 1936 | JUIZ: RODOLFO AURELIANO
POR TRÁS DA ENTREGA
Enquanto aguardava o juiz, Cynthia observava o casal ao qual entregará sua filha. Seu Paulo Teixeira e a esposa eram só atenção e carinhos com a menina, e isso lhe trazia algum conforto. "A pequena terá um bom futuro", pensou. Já havia manifestado a intenção de entregar a criança, mas nunca pedira nada ao casal. Eles, de livre e espontânea vontade, ofereceram-se para cuidar e educar a menina, como se sua filha natural fosse. Apesar de morarem no mesmo bairro simples que ela, Seu Paulo, dono de pequeno comércio, tinha condições bem melhores que as suas.
Vez por outra, seus pensamentos traziam-lhe alguma angustia. Antes que um fio de arrependimento a envolvesse, pensava em suas condições e amparada nelas conseguia forças para manter-se firme em sua decisão. Contando apenas com 19 anos, sem o apoio da família, com pouco estudo, sem marido, trabalhando como doméstica em casa de família, como assumir responsabilidades para com a criança? "Não poderei dar atenção e condições à menina!", afirmava firmemente a si mesma. Procurava não chamá-la de filha, a fim de não se apegar a ela.
Por alguns momentos, pensou no genitor da pequena. "Se ao menos ele tivesse a intenção de ajudá-la", mas afastou o pensamento. Já havia sofrido demais pelo abandono. Nos nove meses em que estiveram juntos, quase não podia contar com ele. Procurava-a para saciar seus desejos sexuais. Com ela nunca fez planos, nem antes, nem depois da gravidez. Sabia que tinha uma família, mas quantos homens também não têm e ainda assim mantêm alguma assistência aos filhos ilegítimos? É certo que ele tentou cuidar da criança nos últimos meses, mas com certeza sua família não se adaptou à menina. O fato é que ela não teria condições de cuidá-la. Já havia sido difícil continuar trabalhando durante a gestação e os primeiros meses de vida da pequena. Manteve-se empregada às custas da bondade de sua patroa.
Por fim, o juiz chegou para ouvi-los. Respondeu às perguntas dele e depois colocou o nome em um Termo de Declaração, onde, soube pelo escrivão, que havia perdido em favor do casal o pátrio poder sobre sua filha, e este declarou ter todas as condições necessárias para manter e educar a menina. "Nunca tive qualquer poder, do único que a vida me dera precisei abrir mão", pensou e achou alguma graça, mas não conseguiu rir. Olhou a menina entretida com a "nova mãe"; saiu sem que ninguém percebesse e, de fato, não se notou sua ausência. "Talvez, invisível, consiga ainda acompanhar de longe o crescimento da pequena, já que estaremos no mesmo bairro", pensou enquanto se afastava.
A história é baseada em fatos processuais e todos os nomes utilizados são fictícios.
Texto e adaptação: Elaine Viana Vilar