Pular para o Conteúdo
Navegação do site

Navegação do site

 

 

Texto Histórico 1

PROCESSO DE DESLIGAMENTO Nº 401 | ANO: 1936 | JUIZ: RODOLFO AURELIANO

A PROTEÇÃO QUE NOS RESTA

A noite caiu rapidamente naquele dia e dona Cândida estava aliviada por ter os filhos já em casa. Todos presentes, com exceção de Carlos, seu primogênito. Há alguns meses, ele saiu para trabalhar e não voltou mais.  A satisfação com os filhos não se estendia ao marido. Alexandre Henrique não costumava chegar cedo em casa. Também não chegava sóbrio. Com a alma encharcada em bebida, o pai de seus filhos não poupava brutalidades, que distribuía fartamente a ela e aos filhos.

A saída de seu filho Carlos de casa foi a gota que faltava para transbordar o copo de sua paciência. Estava decidida a deixar o marido e por fim àqueles 26 anos de maus tratos vividos ao lado dele. Pensava nos filhos: como fazer para sustentar os dez que estavam em casa? Buscava uma resposta, enquanto passava as últimas peças da trouxa de roupa que deveria entregar no dia seguinte. Nos últimos anos, desdobrava-se para conseguir mais clientes, já que o marido não tinha trabalho certo e ainda gastava o pouco que ela conseguia para os gastos diários. 

Sua vida e a de seus filhos eram regidas pelo improviso. Quase não dava atenção à prole, não sabia se iam à escola, não conhecia suas dificuldades ou seus sonhos. Trabalhava dia e noite e mal lhes garantia o que comer. Os meninos cresciam soltos na rua e não podiam contar com o pai como um exemplo a ser seguido.  Foi então que decidiu recorrer à Justiça. Iria ao Juizado de Menores e pediria a internação de João e Luiz. Lá, teriam lar, comida, estudo e trabalho. Se afastaria dos filhos, mas era a única maneira de protegê-los. A opção que lhe restava.

Contou ao juiz a situação de seus filhos e as razões de sua decisão. Estava convicta que seria o melhor para eles. O juiz queria ouvir o pai dos meninos e testemunhas.  Ela indicou sua vizinha Márcia e seu compadre José Augusto. Informou o endereço de todos e eles foram intimados.  As testemunhas narraram as penúrias e provações daquela família, a embriaguez constante e a falta de compromisso do esposo de dona Cândida.  Este, ao ser ouvido em juízo, mostrou-se favorável à internação dos filhos no Instituto Correcional.

Enquanto o processo seguia seus trâmites, dona Cândida remoia-se por sua decisão. Não queria ficar longe dos filhos, mas, ao mesmo tempo, sabia que era a escolha mais acertada.  João contava apenas com oito anos de idade e Luiz estava com treze, este já fazia trabalhos como aprendiz de sapateiro. Durante as fases do processo, o juiz percebeu que os meninos não tinham certidão de nascimento, e tomou as providências para expedir as mesmas.

No decurso destas ações, o pai dos meninos adoece, passando a exigir maiores cuidados de dona Cândida. Com a enfermidade, seu Alexandre fica obrigado a abandonar o vício. Os acessos de brutalidade e violência contra a família diminuem. Carlos, o filho mais velho, volta para casa e passa a ajudar com as despesas domésticas. João começou a fazer entrega de carne no Mercado da Encruzilhada e Luiz continuou a trabalhar como aprendiz de sapateiro.

Através de uma diligência, o juiz toma conhecimento da nova situação da família. A Justiça dá-se por satisfeita em saber que as crianças se encontravam em afazeres de trabalho. Por fim, o processo é arquivado.

A história é baseada em fatos processuais e todos os nomes utilizados são fictícios.

Texto e adaptação: Elaine Viana Vilar