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Texto Histórico 3

PROCESSO  1.115 | ANO: 1940 | JUIZ: RODOLFO AURELIANO

EM TERRA DE CEGO, QUEM TEM UM OLHO É REI

As ruas da cidade já não tinham o mesmo encanto. De tanto perambular movido pela mendicância diária, César Augusto perdeu o entusiasmo que sentira logo que chegou aos becos e avenidas da capital em busca de aventura. Saiu do lar com o propósito de conhecer o mundo e fazer algum dinheiro. Em casa, passava privações, não tinha estudo, nem autonomia. Era o pobre coitado, o desventurado, o aleijadinho.

O menino de nove anos puxava uma das pernas, encurtada devido a um acidente doméstico quando tinha apenas nove meses de idade. Engatinhara em direção ao fogão de lenha e não saiu ileso àquele descuido de seus pais. Apesar das dificuldades impostas por sua condição extremamente humilde, César Augusto ansiava em conhecer outros lugares, ir além da cidade de Altinho, a fim de superar as deficiências: a sua e as de sua família.

Foi assim que se deixou convencer por Renato Costeleta, figura popular da cidade, que vivia da caridade pública por não ter a visão dos dois olhos. Costeleta, apesar de bastante conhecido no local, não era natural de Altinho. Passava tempos em uma ou outra cidade, até que a benevolência e a caridade da população local se desgastassem.

Em suas andanças, fazia-lhe falta alguém que lhe cuidasse os obstáculos e lhe livrasse das investidas de sujeitos desonestos, que lhe levavam o apurado da mendicância. Assim, convenceu o menino afoito a conhecer outras paisagens em busca de uma situação melhor.

Pouco antes do Natal, o menino e seu novo tutor partiram de Altinho com destino à capital do estado: Recife. De início instalaram-se em Vitória de Santo Antão, cidade vizinha à capital, onde Costeleta tinha muitos relacionamentos. De lá, iriam à capital: um em busca de aventura e o outro dos benefícios da caridade alheia.

Quase cinco meses depois de fugir de casa, César percebeu que a rotina da rua não era tão animadora e o humor de Costeleta também não era dos melhores. O menino sentia falta dos pais e de sua casa simples, onde, junto com as tarefas domésticas e os afazeres da roça, sobrava tempo para brincar com os irmãos e os vizinhos.

Certo dia, César foi apreendido pela polícia e levado ao Juizado de Menores. Depois de ouvir o menino, o juiz mandou abrir inquérito e interná-lo no Instituto Profissional de Pacas. Da investigação, resultou o endereço dos pais do pequeno andarilho e o atestado de boa índole do casal, Luiz Carlos da Silva e Maria Tereza de Jesus. Eles foram ouvidos pelo juiz da comarca de Caruaru, onde receberam aliviados a notícia do paradeiro do menino.

Ao saber da possibilidade de voltar para casa, César comprometeu-se com o diretor de Pacas em manter uma boa conduta depois de sair do internato.  No final de julho do ano seguinte, após quase oito meses, o menino é entregue pelo juiz de Altinho a seu pai. Ele volta para casa com o coração serenado, depois de tantas saudades e incertezas. A pequena casa dos pais está cheia de encantos a seus olhos. Sua alma fica plena da aventura de redescobrir o sabor da comida simples da mãe, a textura dos móveis velhos e gastos, o cheiro acre das roupas enxutas ao sereno e o som dos bichos domésticos e do campo. Ali, na sua simplicidade, ele se sentiu majestade.

 

A história é baseada em fatos processuais e todos os nomes utilizados são fictícios.

Texto e adaptação: Elaine Viana Vilar