Perfis e Entrevistas

Paulo Tarciso: a arte como missão de vida

“Nunca pude sair de mim mesmo. Só posso escrever o que sou. E se os personagens se comportarem de modos diferentes, é porque não sou um só”

Graciliano Ramos

Ele nasceu em Buíque, Pernambuco. É filho de Seu Édio e Dona Maria de Lourdes. Chama-se Paulo Tarciso, e é poeta, cantor, tocador, cordelista, contador de histórias infantis, escritor e servidor do TJPE. É casado com Quitéria, é pai de Lucas, Johnatas e Marcos; tem a alma simples, é dono de palavras sinceras, e tem muito respeito pela sua história de vida. Essa é a trajetória de Paulo, desde a infância pelas ruas de Buíque, entre as brincadeiras de barra-bandeira e bola de gude, até a sua chegada à vida adulta. Um caminho marcado pelo louvor à arte, à cultura popular, aos valores familiares, à poesia da vida! 

A descoberta pela leitura se deu quando Paulo, ainda criança, começou a ler os gibis de Tio Patinhas, Pato Donald e Zorro. O seu gosto pela literatura foi refinado quando leu, pela primeira vez, o livro O estudante, de Adelaide Carraro. Adolescente, Paulo já era conhecido nas escolas por onde passou pelo fato de fazer os seus trabalhos estudantis com poesia, prática que levou até mesmo para a graduação superior – no seu caso, o curso de Letras, cursado na Faculdade de Formação de Professores de Arcoverde; e Direito, na Faculdade de Direito de Caruaru.

“O meu envolvimento com a poesia, creio dever-se ao fato de haver nascido e me criado numa cidade pequena do interior, onde era costume ver nas feiras livres, violeiros, cantadores, emboladores, cordelistas vendendo seus livretos e isso me inspirou muito a escrever poesias.” 

Foi também na adolescência que Paulo Tarciso adquiriu toda a obra de Graciliano Ramos, escritor alagoano que passou parte de sua infância em Buíque, onde aprendeu a ler as primeiras letras. Paulo leu todos os livros de Graciliano. Em Vidas Secas, ele se emocionou com a história de Fabiano e com a morte da cachorra Baleia. Em Infância, ficou comovido ao descobrir que pisou em vários lugares por onde o escritor andou quando era criança, em Buíque. Já em Cartas, Paulo se sentiu desafiado pelo escritor a escrever o seu primeiro livro - As janelas do sobrado, lançado em 2011. “Observe o jeito do povo andar, das lavadeiras lavando roupas, o que conversam”, afirmava Graciliano em uma carta para a esposa, com modo de incentivo à escrita. 

Aos 12 anos, cantando em evento escolar de Buíque

 

As cocadas de Dona Lourdes e o Cine Nevada  

O pai de Paulo Tarciso, Seu Édio, foi funcionário público municipal. Para aumentar a renda familiar, adquiriu uma caminhonete para fazer transporte de passageiros e de pequenas cargas. Dona Lourdes cuidava dos filhos e do lar da família, e fazia bolos, cocadas e outros doces para vender. Paulo ajudava a distribuir as encomendas da mãe e vendia as cocadas na feira livre de Buíque. “Além do tabuleiro de cocadas, eu ainda levava uma ‘quartinha’ com água fria e um caneco de alumínio para que o cliente depois de adoçar a boca, tomasse uns goles de água”, lembra.  

“Eu também fui engraxate, vendedor de picolé e carreguei fretes num carro de madeira. Sempre fui batalhador e nunca tive vergonha de trabalhar em serviços humildes, por ter consciência de que o trabalho dignifica o ser humano, como bem escreveu e cantou o poeta Gonzaguinha: ‘sem o seu trabalho o homem não tem honra’.”  

Quando Paulo tinha dez anos de idade, Seu Édio também começou a trabalhar como porteiro do cinema da cidade - o Cine Nevada. Na época, a família estava mais estruturada financeiramente e não demorou muito para que Seu Édio passasse de porteiro a proprietário do cinema. Assim como o menino Salvatore, no filme Cinema Paradiso, o menino Paulo atuava anunciando e exibindo os filmes. 

Havia um serviço de som espalhado em toda a cidade e no estúdio do Cine Nevada, e, na maior parte do tempo, Paulo atuava passando músicas através dos antigos elepês, os populares “bolachões”, e convidando a população para assistir ao filme da vez: “Você que é fã da Sétima Arte, não perca logo mais às oito horas da noite, o sensacional filme Dio come ti amo, com Gigliola Cinquetti, Mark Damon e grande elenco. Superprodução italiana que você não pode deixar de assistir. Venha e traga toda sua família!”. 

Seu Édio e o Cine Nevada 

Dona Lourdes 

 

A Justiça 

Antes de chegar ao Judiciário pernambucano, Paulo trabalhava no Mercadinho Moderna, em Buíque. A atuação no TJPE, na verdade, começou em 1984, quando Paulo passou a trabalhar no cartório de imóveis da cidade. Na época, o cartório prestava serviços de escrivania ao Fórum local, auxiliando os magistrados nas audiências e cumprindo expedientes de secretaria.  

“Iniciei lavrando manualmente escrituras e procurações e depois datilografando o que escrevia, autenticando documentos e reconhecendo firmas. Como o titular do cartório, Senhor José Inácio Cursino de Freitas, popularmente conhecido como Xéu do cartório, percebeu meu desempenho, me convidou para substituí-lo nas audiências do Fórum”, conta Paulo.   

Em 1987, o Judiciário promoveu concurso, e Paulo se inscreveu para concorrer ao cargo de escrevente. Passou, foi nomeado em dezembro do mesmo ano, tomando posse de seu cargo no dia 4 de janeiro de 1988. O cargo de escrevente, posteriormente, foi transformado em assistente judiciário e, mais adiante, em técnico judiciário. Há 20 anos, Paulo atua como chefe de Secretaria do Cartório de Distribuição. “Auxilio também nos serviços de secretaria, inclusive permanecendo responsável por todas as funções do Tribunal do Júri”, afirma.  

“Prestação jurisdicional eficiente é ter o conhecimento teórico e prático do serviço que está prestando, ser cortês e procurar atender a população da melhor maneira possível. ”   

Em 2016, Paulo teve a poesia Feliz-Cidade premiada no Concurso de Literatura da instituição. O poema foi incluído na antologia lançada pelo Tribunal. Neste ano, Paulo vai participar mais uma vez do certame cultural. Perguntamos se o trabalho no Judiciário Influencia na sua escrita? Sim, a resposta é positiva. Para Paulo Tarciso, cada pessoa que ingressa com uma ação judicial tem a sua história particular; cada réu que é denunciado, julgado, submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri; cada família que procura a Justiça para promover uma ação de adoção ou de guarda, de alguma forma, serve de inspiração para o que ele escreve. “Sempre enxergo por trás de uma capa processual, vidas, alegrias e sofrimentos que fazem parte da nossa passagem aqui na terra e não deixam de nos inspirar naquilo que escrevemos”, ele diz.  

Há 20 anos, Paulo atua como chefe de secretaria do Cartório de Distribuição da Comarca de Buíque

 

A literatura 

“Entendo que a literatura em geral funciona como um remédio auxiliar na difícil caminhada da vida. Ler um bom livro sempre nos leva a refletir sobre o tema lido e nos torna mais maduros e experientes.” 

Da época dos versos adolescentes registrados em seus trabalhos escolares até os dias atuais, Paulo tem como companhia a literatura. Ele já publicou duas obras: Dois - Despertar Poético, uma coletânea de poemas e poesias de crianças e adolescentes das redes municipal e estadual de ensino, fruto de um projeto pedagógico que coordenou com foco na produção de poesias. O segundo livro publicado trata-se de um romance, As Janelas do sobrado

Em As janelas do sobrado, Paulo Tarciso narra a Buíque da década de 1950 (até os anos 80). O livro apresenta o retrato de costumes da vida comercial, social e cultural da cidade. Suas linhas também contemplam as festas tradicionais de Buíque, os times de futebol, a feira livre, que antes era espalhada pelo centro da cidade, e o tempo em que o cinema e o circo faziam parte da vida social do município. 

O terceiro livro já vem por aí - Pão, vinho e poesia! A obra será publicada em literatura de cordel, tendo como tema O evangelho de Jesus e os atos dos apóstolos. “Eu acho que é uma forma diferente de levar o evangelho para as pessoas. Creio que vai ter uma boa aceitação, já que o nosso país é de maioria cristã, seja de confissão católica, evangélica ou até mesmo espírita. Se bem que poesia independe de religião”, comenta Paulo. 

“A leitura quando feita por prazer, e não por obrigação, nos faz viajar sem sair de casa. A leitura muda vidas, transforma situações, auxilia nas decisões. A leitura liberta.”      

Maquiavel no cordel - Na literatura de cordel, Paulo já publicou mais de cem títulos.  Entre estes, destacam-se Violência na TV, O pobe na inleição, Gonzaga, saga e saudade, Política e politicagem, Conselho aos pais, e O político e o babão. Ele também adaptou três clássicos da literatura para a linguagem de cordel: Leviatã e Utopia, de autoria de Thomas Hobbes; e O príncipe, de Maquiavel. Este último, inclusive, foi pauta de reportagem veiculada na TV Asa Branca, de Caruaru. 

“Foi muito gratificante. Recebi vários elogios de professores universitários, que destacaram a importância do cordel nas escolas, por facilitar a compreensão dos alunos. Sabemos que um livro clássico, de certa forma, dificulta a compreensão, principalmente em um país que não é exemplo em gosto pela leitura. E o cordel, além de tornar a leitura mais alegre, auxilia na compreensão”, afirma. 

“Um traço importante da literatura de cordel é a aproximação do ouvinte a temas importantes, que, muitas vezes, não são bem compreendidos quando apresentados de maneira tradicional ou clássica.”

Paulo Tarciso parece encarar a arte como missão de vida, traço que torna os seus projetos inspiradores. Um deles é o espetáculo Cordel, arte e cultura, que ele apresentava até pouco tempo atrás com auxílio de instrumentos musicais. Com duração de 90 minutos, Paulo cantava canções do folclore brasileiro, narrava causos engraçados, inclusive muitos deles ocorridos em cartórios, fóruns e delegacias. Além dos livros e do espetáculo citado, ele lançou o CD Paulo Cordel, com nove poesias de cordel e três canções, sendo uma delas Infância em Buíque, homenageando o escritor Graciliano Ramos. 

Também é válido citar o documentário Eu nasci pra ser palhaço, dirigido e produzido por Paulo, em homenagem ao Palhaço Puniculino, que dedicou mais de 50 anos à arte circense. O documentário foi lançado na cidade de Alagoinha (PE), residência do artista homenageado, em 2016. 

Para quem quiser ler os textos de Paulo Tarciso, e saber notícias de seus projetos culturais, basta acessar o site http://www.paulocordel.com/.  No espaço, ele publica textos duas ou três vezes por semana. “Tenho recebido um bom retorno do site, como, por exemplo, o caso de uma educadora de Minas Gerais, que viu uma postagem de um cordel meu sobre a caatinga e me pediu autorização para lançar trechos nos livros didáticos da rede estadual de ensino daquele Estado, seguido de um questionário para os alunos responderem sobre o tema abordado, na disciplina de Geografia. Fiquei muito feliz com este fato”, conta Paulo, que, em 2014, ajudou a criar e a fundar a Academia Buiquense das Letras. 

Daqui a cinco anos, o servidor Paulo Tarciso vai se aposentar do TJPE. O seu objetivo é seguir atuando no mundo das artes, da palavra como missão pedagógica. “Pretendo, ao me aposentar, fazer apresentações, me dedicar à arte, seguir ministrando palestras nas escolas da região, sempre incentivando a leitura, não só de poesias, mas a leitura em geral, já que é uma maneira de ajudar os jovens no enriquecimento do vocabulário, no modo de se expressarem, na compreensão de uma melhor vida”, conclui. 

Paulo ao lado da esposa, Quitéria, e dos filhos Lucas, Johnatas e Marcos

Paulo Tarciso em espetáculo cultural 

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Texto: Redação | Ascom TJPE
Foto 1: LS Fotografias
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