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Nesta segunda-feira (20/5), comemora-se o Dia Nacional do Pedagogo. Atualmente, 36 pedagogos atuam no quadro funcional do TJPE. A Revista Conecta, nesta edição de nº 120, apresenta entrevista com sete desses profissionais do Tribunal, abordando a escolha pela Pedagogia, a rotina de trabalho, as principais conquistas e os desafios da atuação no Judiciário, entre outros temas que envolvem a presença da Educação na Justiça.
São eles:
Alexandra Wanderley, do Núcleo de Apoio ao Cadastro Nacional de Adoção (Nacna), da 2ª Vara da Infância e Juventude da Capital;
Ana Paula Villar, do Núcleo de Apoio Interprofissional (NAI) do Fórum de Camaragibe;
Elizabeth Aguiar, da Vara de Execução de Penas Alternativas (Vepa);
Gidair Lopes, da equipe interprofissional do Núcleo de Apoio Psicossocial (NAP) da Comarca de Paulista;
Pedro Rodrigo, da equipe interprofissional da 1ª Vara Cível da Comarca de Moreno;
Rosimery Medeiros, que atua no TJPE como entrevistadora de crianças e adolescentes na Central de Depoimento Acolhedor da Comarca de Camaragibe;
Simony Freitas, que já atuou compondo equipe interprofissional nas áreas da Infância e Juventude, Família, Violência Doméstica e Criminal, em diversas varas da Capital e Região Metropolitana, e atualmente está lotada na Escola Judicial do TJPE.
Confira a entrevista!
Conecta - Por que a escolha pelo curso de Pedagogia?
Alexandra - A Pedagogia me escolheu ainda jovem, quando eu lecionava para crianças no formato de aulas particulares. A experiência era intuitiva, sem didática ou conhecimento dos pensadores. Como característica pessoal, eu gosto de ler e estudar, sendo um diferencial do curso leituras constante, acompanhar necessidades e demandas da vida social, ou criá-la em caso de inexistência. Cursar Pedagogia foi uma escolha refletida em fazer a diferença na vida das crianças e dos adolescentes para a formação consciente, ativa e crítica na atuação social.
Pedro - Um dos fatores influenciadores foi ter uma mãe professora, a senhora Maria Cristina, que sem querer foi me introduzindo no universo educacional, especialmente quando levava seus alunos para a nossa casa, a fim de lhes proporcionar a audição de clássicos da literatura infantil adaptados para os discos de vinil. Meus irmãos e eu acabávamos participando dessas audições, auxiliando de alguma maneira a professora.
Em 1994, ao iniciar o antigo ginásio em minha cidade, Bezerros, engajei-me na Pastoral da Juventude Estudantil da Igreja Católica, até a conclusão do ensino médio, em 2000. Também experimentei a vida religiosa, inclusive vivenciando situações educativas com crianças e adolescentes de comunidades periféricas de Natal (RN). De volta à vida secular, certo de que a minha relação com a Educação assim consolidava-se, iniciei o curso de Pedagogia em Caruaru, onde permaneci por um ano, até transferir-me para a UFPE. Então, digo sempre que esses elementos combinados e os inusitados da vida foram me direcionando para uma profissão no campo educacional, que veio a ser a Pedagogia.
Ana Paula - A Educação sempre foi um elemento valorizado na minha família. O bom desempenho escolar, atitudes éticas e uma visão de mundo cidadã foram aspectos que permearam a minha formação humana. Assim, quando da decisão pela profissão a seguir, a Pedagogia emergiu como uma possibilidade de pensar teoricamente sobre a Educação; de conhecer, de forma sistematizada, as múltiplas dimensões que compõem as ações educativas. Na contramão do senso comum, eu já compreendia a Educação como um fenômeno abrangente, presente em diversas instâncias sociais e, por conseguinte, com inúmeras possibilidades de atuação profissional. Considerava a Pedagogia um campo de estudo complexo e, portanto, desafiador.
“Muitos foram os desafios, mas também muitas as conquistas. Uma delas e talvez a mais importante, para mim, foi encontrar o papel do pedagogo no contexto do Judiciário. Encontrar-se e ter a certeza de que este profissional é imprescindível na composição de servidores do TJPE e que tem contribuído de forma significativa nos serviços prestados ao jurisdicionado. Para mim, isso é uma grande conquista.”
Conecta - Na sua opinião, quais os aspectos mais relevantes quando pensamos no profissional da Pedagogia em atuação no Judiciário?
Rosimery - O profissional da Pedagogia traz ao Judiciário o seu conhecimento sobre o desenvolvimento infanto-juvenil e também o olhar sob um prisma diferente de outras áreas já instaladas há mais tempo na Justiça. Ao mesmo tempo, a Pedagogia dialoga de forma interdisciplinar com o Direito, a Psicologia e o Serviço Social com o propósito de cuidar do ser humano como o todo que ele é, evitando os cuidados fracionados.
Simony - De acordo com o educador e escritor Libâneo, as práticas educativas não se restringem à escola ou à família, pois ocorrem em todos os contextos e âmbitos da existência individual e social humana, de modo institucionalizado, ou não, e sob várias modalidades. A partir daí, podemos pensar que o profissional de Pedagogia é imprescindível em vários espaços de nossa sociedade, e no Judiciário não poderia ser diferente.
Gidair - O trabalho do pedagogo, no Judiciário, contribui para um olhar mais ampliado diante das situações que envolvem crianças e adolescentes, bem como os demais grupos vulneráveis. O pedagogo como integrante das equipes técnicas dá conta de uma intervenção mais específica voltada aos aspectos educacionais, compreendendo a Educação de uma forma mais ampla, para além da educação escolar, a qual se desenvolve na vida familiar, na convivência humana e no trabalho. Nesse sentido, a presença do pedagogo contribui positivamente nos estudos referentes aos processos de guarda, tutela, adoção, entre outros. Ainda, no serviço de escuta especializada de crianças e adolescentes em contexto de violência, nas equipes que atendam demandas da pessoa idosa, e de serviços de atendimento e intervenção nas situações de violência doméstica contra a mulher. Além desses setores do Judiciário, o pedagogo também pode ocupar espaço no planejamento e elaboração dos critérios de avaliação e de capacitação de servidores, e nos serviços e projetos de divulgação da história e cultura do Tribunal de Justiça.
“Acredito que a inserção do pedagogo no Poder Judiciário é resultado de uma transformação ocorrida na própria concepção da atuação judicial. A presença dos profissionais da Educação em instituições extraescolares é uma realidade que atende às demandas da sociedade atual, da qual, no meu ponto de vista, não há como retroceder. Consolidar esse campo teórico-prático da Educação é um desafio e uma necessidade.”
Conecta - Qual foi a melhor conquista que você já obteve atuando como pedagogo no TJPE?
Elizabeth - Posso dizer que hoje é possível elencar algumas conquistas, como participar do Livro Pedagogia Jurídica, com um artigo de minha autoria; ter um trabalho selecionado para o IX Colóquio Paulo Freire; e algumas palestras realizadas em faculdades para futuros pedagogos. Mas a maior conquista, com certeza, foi a mudança que ocorreu no ambiente de trabalho, quando passamos a realizar o acolhimento em grupos. As pessoas que tinham como pena a Prestação de Serviço à Comunidade (PSC) possuíam um discurso de que iriam "trabalhar de graça para o governo", e o índice de descumprimento da pena passava de 50%. Um ano depois da mudança, constatamos a redução do descumprimento para 38% e um interesse crescente pelo cumprimento da pena, como uma possibilidade de mostrar à comunidade que "Eu não sou o delito que cometi". Atualmente, verificamos uma curva crescente no cumprimento da pena, uma melhor relação entre cumpridores e a equipe, e muitas das pessoas que concluem a PSC passam a atuar como voluntários nas instituições.
Gidair - Das situações pessoais mais gratificantes situadas, encontram-se as adoções de crianças e adolescentes. Destas, uma das que mais me impactaram foi a história de adoção envolvendo a mim e a minha filha. Já no contexto da categoria profissional, a experiência mais marcante foi o projeto e a viabilização do livro "Pedagogia Jurídica - As práticas do pedagogo no Judiciário", em 2015. A oportunidade de reunir colegas do TJPE, cujas práticas foram narradas na obra, para juntos produzirmos o primeiro material teórico sobre o nosso trabalho foi, sem dúvida, uma das mais marcantes experiências, não apenas por sua relevância dentro do Tribunal, como também fora dele – uma vez que conseguimos levar as nossas práticas ao conhecimento de estudantes e profissionais da Pedagogia que atuam em outros contextos.
Rosimery - Quando eu comecei a fazer oitivas de crianças e adolescentes em audiências, tinha o propósito de ajudá-las a amenizar os seus traumas ao falarem sobre as violências sofridas, mas o trabalho foi ganhando uma grande proporção no campo jurídico e, em pouco tempo, eu estava dando capacitações a magistrados, promotores de Justiça e servidores de outros Tribunais. Comecei a participar de um grupo de trabalho junto ao CNJ, à Unicef e à Childhood (ONG que trabalha na defesa dos direitos das crianças e dos adolescentes) e, nesta atuação, eu vi avanços como instigar a implementação da Lei 13.431/2017, que trata da Escuta e do Depoimento Especial, e a elaboração de um Protocolo Brasileiro de Entrevista Forense. Eu procuro fazer o meu trabalho diário da melhor forma, sempre buscando o aperfeiçoamento da técnica. Alcançar o reconhecimento do CNJ e de tantos outros Tribunais que me procuram para dar capacitações é uma grande conquista.
“Cursar Pedagogia foi uma escolha refletida em fazer a diferença na vida das crianças e dos adolescentes para a formação consciente, ativa e crítica na atuação social. A minha trajetória no curso demonstrou atenção com os temas da igualdade de direitos, direito à educação pública de qualidade, injustiças de qualquer tipo.”
Conecta - Quais as vantagens e dificuldades do trabalho do pedagogo?
Ana Paula - A vantagem do profissional da Pedagogia é ter uma base de formação ampla e holística, que permite compreender os fenômenos sociais, dentre os quais as práticas educativas, em todas as suas dimensões e complexidade, de modo relacional e integrado. Esse aspecto formativo, no meu entendimento, contribui para uma inserção positiva dos pedagogos em espaços de atuação em que a ação educativa, não necessariamente a educação escolar, se faz presente, tais como: empresas privadas, hospitais, museus, organizações não-governamentais, instituições públicas, entre outras instâncias que já contam com esses profissionais em seus quadros de funcionários. No que concerne às dificuldades, acredito que um dos entraves à atuação do pedagogo, notadamente daqueles inseridos em espaços não-escolares, é conseguir romper a cultura que compreende que o lugar de atuação desse profissional é apenas a escola, como se fora dela o pedagogo não tivesse legitimidade para intervir.
Alexandra - A atuação na 2ª Vara da Infância e Juventude da Capital se apresentou como um desafio, sendo o exercício profissional a relação entre a comunhão da teoria e da prática in loco. No início, havia uma certa insegurança para atuar nas atividades. Nesses dez anos de TJPE, nós podemos dizer que os conteúdos jurídicos são predominantes, porém, ao lidar com indivíduos, o viés pedagógico também se encontra presente e vivo. Assim, o maior desafio é conciliar o pedagógico com o jurídico no desenvolvimento e na garantia dos direitos da criança e do adolescente.
Pedro - Temos uma fragilidade que é também a nossa força. A academia não nos preparou bem para a atuação em espaços não-escolares e temos dito isso aos seus membros. Quando somos aprovados nos concursos públicos, não temos clareza sobre o papel a desempenhar em instituições como Tribunais de Justiça, Ministério Público, Defensoria Pública. Precisamos dobrar os esforços para compreender esse papel e, infelizmente, nem sempre queremos ou podemos fazer isso, porque às vezes não percebemos que as melhorias e o reconhecimento profissional externo dependem também de nossas iniciativas e esforços. Então, é, neste sentido, que acredito sermos fortes na fraqueza: porque podemos ressignificar os espaços de atuação que previram para nós, bem como criar novos. Acho que é essa criatividade que a instituição espera de nós. Ilustro-o com a expertise alcançada por colegas que atuam nas Centrais de Depoimento Acolhedor.
“Penso que o profissional de Pedagogia, tendo a visão da Educação, no sentido amplo da palavra, pode contribuir em diferentes contextos dentro do Judiciário. Sua atuação é fundamental não somente junto aos setores que trabalham com crianças e adolescentes, mas também com os adultos. Costumamos conectar Educação com infância e juventude, mas a Educação é parte da vida do ser humano em qualquer idade.”
Conecta - Por favor, registre uma mensagem de incentivo para alguém que pretende iniciar o curso de Pedagogia ou o trabalho com Educação.
Simony - Trata-se de uma profissão cuja atuação é maravilhosa. Lidar com pessoas, sendo adultos ou crianças, contribuir, intervir em seus processos formativos não só cognitivos, mas emocionais, é prazeroso demais. Contribuir de forma significativa e muitas vezes determinante, mudando a vida das pessoas para melhor, vendo-as crescer, não tem realização profissional melhor. Assim é o profissional de Pedagogia!
Elizabeth - Àquele que tenha interesse pelo curso de Pedagogia, que tenha o interesse em compartilhar; conviver de forma afetuosa, respeitosa e constante com os seres humanos e a produção de conhecimento; que busque lutar em todos os espaços pela igualdade de direitos e acesso ao conhecimento. Você está no caminho certo! Assim resumo o trabalho do Pedagogo.
Alexandra - Vou parafrasear Paulo Freire, que diz: “A alegria não chega apenas no encontro do achado, mas faz parte do processo da busca. E ensinar e aprender não pode dar-se fora da procura, fora da boniteza e da alegria”. Isso representa o curso de Pedagogia.
“Já tive muitas alegrias nestes cinco anos no TJPE. Talvez as mais emblemáticas estejam relacionadas à adoção de crianças mais velhas, ou mesmo de adolescentes, com poucas expectativas de colocação em família substituta. Saber que somos importantes para que as informações certas alcancem as pessoas mais necessitadas delas é algo também muito gratificante. Ouvir as pessoas mais simples dizerem que se sentiram bem recebidas e orientadas renova diariamente o meu desejo de fazer sempre mais e melhor no Fórum de Moreno.”
Gidair - O caráter humanístico da pedagogia confere ao educador o privilégio de auxiliar na humanização do indivíduo, oportunizando sua ascensão a sujeito crítico, histórico, capaz de intervir na realidade e de transformá-la. Assim, há que se esperar do pedagogo uma atitude de coragem, de sensibilidade e de perspicácia no sentido de intervir de forma respeitosa e eficaz nas mais diversas situações nas quais a educação se dá.
Rosimery - Trabalhar com Educação é uma eterna construção e reconstrução de perspectivas para que o outro se encontre enquanto protagonista da sua história. Devemos, como educadores, estar atentos à sociedade, que é muito dinâmica e o conhecimento muito provisório. O que servia para uma geração pode não servir para outra, então é importante procurar se atualizar permanentemente.
“O caráter humanístico da Pedagogia confere ao educador o privilégio de auxiliar na humanização do indivíduo, oportunizando sua ascensão a sujeito crítico, histórico, capaz de intervir na realidade e de transformá-la. Assim, há que se esperar do pedagogo uma atitude de coragem, sensibilidade e perspicácia no sentido de intervir de forma respeitosa e eficaz nas mais diversas situações nas quais a educação se dá.”
Pedro - Penso que é preciso insistir como Paulo Freire, e outros mestres da resistência, na construção do que ele designou como “inédito viável”, no livro "Pedagogia do Oprimido". Parafraseando-o, se a realidade não “é”, se ela “está sendo de algum modo”, então, está submetida à possibilidade de ser modificada.
Ana Paula - A concepção de Educação como um processo de formação humana, por meio da construção de conhecimentos, atitudes e valores dos sujeitos sociais, que contempla a educação escolar, mas não se restringe a ela, ampliou sobremaneira os horizontes dos profissionais de pedagogia. Nesse contexto, considero a área de Educação como um terreno fértil às novas epistemologias e práticas profissionais - nas quais a Pedagogia Jurídica se inscreve - e, portanto, é promissora para aqueles que aceitarem o desafio de construí-las.
“Vejo como dificuldade a visão reducionista sobre o trabalho do pedagogo, vendo-o apenas como um profissional de sala de aula. Pensar assim, é não acompanhar o movimento de uma sociedade do conhecimento, onde a aprendizagem permeia todas as ações humanas e o pedagogo atua minimizando as desigualdades sociais que esses conhecimentos evidenciam.”
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Entrevista: Micarla Xavier | Ascom TJPE
Fotos: Silla Cadengue | Cacoete Produções | Ascom TJPE