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A servidora Mariana Hora durante gravação de trabalho em Libras para Ascom/TJPE
“Ser surda não me impede de fazer nada, sou uma mulher jovem que leva uma vida normal, sou independente, resolvo tudo da minha vida de forma autônoma. Porém, as barreiras existentes nas instituições e na sociedade trazem muitas limitações e dificuldades.” Esse é o depoimento da assistente social do TJPE, Mariana Hora, que atua no Núcleo de Apoio à Comissão Estadual Judiciária de Adoção (Ceja). A servidora participa voluntariamente de uma campanha produzida pela Assessoria de Comunicação Social (Ascom), que conta com o apoio da Infância e da Esmape.
E você, leitor, já parou para pensar como seria sua vida se tivesse alguma deficiência? Nesta edição da Conecta, falamos sobre desafios e superação, pois a história de Mariana serve de inspiração para todos nós. Confira!
Dia Internacional das Pessoas com Deficiência
Nesta terça-feira (3/12), comemora-se o Dia Internacional das Pessoas com Deficiência, data criada pela Organização das Nações Unidas (ONU) desde 1992, com o objetivo de promover uma maior compreensão dos assuntos referentes à deficiência e para mobilizar a defesa da dignidade, dos direitos e do bem estar das pessoas. Segundo a servidora Mariana Hora, essa data tem um peso institucional forte, pois contribui para que as questões relacionadas aos direitos e às condições de vida das pessoas com deficiência não estejam em total invisibilidade. “Infelizmente, muita gente não conhece a Convenção Internacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência, e os governos não colocam essa Convenção como prioritária quando se trata de políticas públicas. Então, ainda precisamos lutar muito por uma sociedade com mais respeito e mais acessibilidade”, destaca a servidora.
Mariana durante passeio com a família
A descoberta da deficiência
A surdez de Mariana é congênita, tendo como causa provável uma característica genética transmitida hereditariamente na sua família paterna - seu pai, um tio e uma prima também têm deficiência auditiva, assim como sua avó paterna já falecida. “Aos quatro anos de idade, meus familiares perceberam que, às vezes, eu não entendia algumas coisas faladas, ou não respondia aos chamados sonoros fora do meu campo de visão. Na época, fui levada ao otorrinolaringologista e à fonoaudióloga, quando foi identificado que eu estava com uma perda auditiva de grau leve, mas que, pelo histórico familiar, era provável que o grau de surdez iria se aprofundar com o tempo. E, de fato, isso ocorreu, progressivamente. Cheguei ao grau profundo, em ambos os ouvidos, no final da minha adolescência, justamente quando ingressei na UFPE para estudar Serviço Social”, relembra.
Até os 21 anos de idade, Mariana utilizou vários aparelhos auditivos, porém ficou mais difícil entender palavras e identificar a origem e o tipo de som, além de sofrer com vários incômodos causados pelo uso dos aparelhos. Foi quando ela decidiu deixar de usá-los para sempre, pois se sentia melhor física e emocionalmente. “Não considero surdez como doença. Desde criança, eu entendi que essa condição fazia parte de mim e não tentei esconder. Depois que aprendi Libras e passei a conviver com pessoas surdas sinalizantes, compreendi que tenho identidade surda e sou feliz assim, pois essa surdidade me traz possibilidades extremamente positivas”, destaca Mariana.
Trabalho no TJPE e mestrado na UECE
Servidora do Tribunal há mais de sete anos, Mariana sempre atuou na Ceja/TJPE, no Centro Integrado da Criança e do Adolescente (Cica), inclusive, anteriormente, fez estágio por dois anos no setor. “Na Comissão, eu trabalho com o desenvolvimento de projetos relacionados a crianças e adolescentes que estão em acolhimento institucional, com a busca ativa de pretendentes para adoção e, também, com acompanhamento de adoções internacionais”, conta.
Além de trabalhar no Judiciário pernambucano, a servidora está prestes a concluir seu mestrado acadêmico em Serviço Social, Trabalho e Questão Social pela Universidade Estadual do Ceará (UECE). “Escolhi como tema para a minha dissertação a questão da acessibilidade para pessoas surdas no Judiciário, pois é uma discussão que carece de pesquisas para instrumentalizar os profissionais da área e contribuir com as políticas públicas. Quero dar essa contribuição à comunidade surda e também ao TJPE”, avalia.
No mestrado na UECE, Mariana é orientada por um professor que faz parte da comunidade surda, por ser pai de um adolescente com a deficiência. Quando foi aprovada, ela precisou entrar em licença não remunerada no TJPE para cursar as disciplinas e participar de outras atividades em Fortaleza. “Hoje estou na fase final do mestrado, retornei ao Recife em julho e estou conciliando o trabalho no Tribunal com a escrita da dissertação. Não é fácil, mas estou contando com apoio da família e da equipe da Ceja, inclusive da minha chefe, a juíza Helia Viegas”, destaca.
A servidora ao lado da juíza Hélia Viegas e dos colegas da Ceja/TJPE
Principais dificuldades
Apesar dos avanços da tecnologia que permitem o uso de aplicativos para pessoas surdas nos smartphones, as principais dificuldades estão relacionadas aos serviços de telefonia que não oferecem canais de comunicação acessíveis. Por exemplo, para marcar uma consulta médica, ou resolver um problema no banco pelo telefone, Mariana precisa de ajuda para se comunicar.
“No trabalho, não tenho como fazer ligações telefônicas, sempre que possível envio e-mail. Também não posso realizar entrevista social ou visita domiciliar sem ter outra assistente social junto comigo, porque as limitações da leitura labial trariam risco de falhas na comunicação. Infelizmente, a insuficiência de acessibilidade nos órgãos públicos limita as minhas possibilidades de atuação e de participação em eventos. Mas, se houver necessidade de atender uma pessoa surda aqui na Ceja, prestarei esse serviço sem dificuldades. Ou seja, a limitação não é minha, é uma barreira linguística e comunicacional que existe nas instituições e na sociedade”, afirma Mariana.
Bilíngue em Português e na Língua Brasileira de Sinais (Libras)
O grau leve de surdez na infância possibilitou a Mariana aprender a Língua Portuguesa. Ao descobrir a surdez, ela já se comunicava oralmente e tinha iniciado a alfabetização escrita. Na época, a Língua Brasileira de Sinais (Libras) ainda não era reconhecida por lei e o preconceito era muito forte, inclusive, sua família foi orientada para que ela não aprendesse a “linguagem gestual”, pois poderia “desaprender” o Português.
Aos 17 anos de idade, a jovem conheceu e aprendeu Libras. Por conta própria, Mariana procurou um curso introdutório e foi buscar contato com pessoas surdas que usavam Libras para se comunicar. “Foi a convivência entre surdos e ouvintes fluentes que me proporcionou a aquisição linguística, me tornando bilíngue”, conta.
“No cotidiano, eu uso mais o português na modalidade escrita, por ser a língua usada no trabalho e na minha família, e nos espaços sociais em geral. Mas se tratando de comunicação falada, é na Libras que me comunico melhor, sem limitações. Falo português oralmente e sou entendida por quem estiver me ouvindo, mas entender o que as outras pessoas falam na língua portuguesa é muito complicado, pois exige leitura labial e para mim é um exercício que requer muito esforço”, comenta.
Mariana com os amigos da comunidade surda após o show da cantora Luiza Caspary que tem interpretação para Libras
Lazer, convivência e planos
Viajar e ir à praia e ao cinema, preferencialmente, na companhia dos amigos e do namorado, ou ficar em casa descansando, tudo isso faz parte do lazer de Mariana. “Quase todos os meus amigos são surdos sinalizantes e o meu namorado também. A convivência se fortalece na comunidade surda por meio da língua em comum, pois, entre nós, a comunicação se dá naturalmente, estamos livres das limitações que temos ao nos comunicarmos com pessoas não fluentes em Libras”, destaca.
Além dos relacionamentos pessoais, a servidora do TJPE é membro da Associação de Surdos de Pernambuco (ASSPE) e já trabalhou voluntariamente na gestão de entidades como a Confederação Brasileira de Desportos de Surdos (CBDS), a Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis) e a Federação Desportiva de Surdos de Pernambuco (FPEDS). Quando questionada sobre os planos para o futuro, ela encontra inspiração na mensagem da surdo-cega Helen Keller: “Tenho o desejo de realizar uma tarefa importante na vida. Mas, meu primeiro dever, está em realizar humildes coisas como se fossem grandes e nobres”. “Então, quero continuar trabalhando como assistente social no TJPE e também com a comunidade surda, sempre comprometida com a defesa dos direitos humanos e, claro, prioritariamente, cuidar de mim mesma e da minha família”, destaca a servidora.
Mensagem para os colegas do TJPE
“Ser pessoa com deficiência não nos faz ser inferiores, nós temos direitos e precisamos de ações afirmativas, de intervenções diferenciadas, para que a igualdade de oportunidades seja efetiva. Não pedimos favores, exigimos respeito aos nossos direitos. Então, é preciso mais solidariedade coletiva na sociedade e mais compromisso do poder público, para que possamos avançar em questões de acessibilidade e caminhar para uma sociedade sem opressões”, conclui.
Mariana cheia de planos para o futuro
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Texto: Priscilla Marques | Ascom TJPE
Fotos: Sila Cadengue | Cacoete Produções | Ascom TJPE e Arquivo Pessoal