Entrevista

Confira o trabalho dos premiados no I Concurso de Monografias da Esmape

Este ano, a Escola Judicial de Pernambuco (Esmape/TJPE) realizou o I Concurso de Monografias Jurídicas direcionado aos magistrados e servidores do Judiciário. O certame fez homenagem à Professora Maria Bernadette Neves Pedrosa, a primeira mulher admitida como docente na Faculdade de Direito do Recife, e teve como tema "Dignidade da Mulher como Direito Fundamental - Políticas Públicas e Ordem Jurídica".

Como o mês de março celebra o Dia Internacional da Mulher (8/3), a revista Conecta foi conversar com os colaboradores premiados sobre a importância dos seus trabalhos dentro da temática de gênero. Confira abaixo os vencedores e na sequência, a entrevista.

1º lugar:
 


Francisco Tojal Dantas Matos – juiz da Vara de Violência Doméstica e Familiar do Cabo de Santo Agostinho

Monografia: A vulnerabilidade financeira da mulher como obstáculo ao rompimento do círculo vicioso de violência doméstica: uma análise crítica dos dados coletados nas audiências de acolhimento realizadas na Vara de Violência Doméstica da Comarca do Cabo de Santo Agostinho

Prêmio Ouro: passagem de ida e volta para participar do Programa de Treinamento Judicial e Pesquisa em Direito, realizado anualmente pela Esmape/TJPE em parceria com a Universidade Johann Wolfgang Goethe de Frankfurt, na Alemanha.


2º lugar:
 


Jorge Reinaldo Farias de Almeida Barros -  servidor do Juizado Especial Criminal de Garanhuns

Monografia: Políticas públicas de combate à violência contra as mulheres no Brasil e a ordem pública: uma busca para implementação da dignidade da mulher como direito fundamental

Prêmio Prata: R$ 2.500,00


3º lugar:

Ana Kelly Costa, Maria do Carmo Pontes e Rozeane Leal – servidoras da 2ª Vara de Violência contra a Mulher da Capital

Monografia: Entre memórias, lágrimas e superação: mulheres em situação de violência de gênero, acolhimento institucional e o papel da rede de enfrentamento da violência contra a mulher

Prêmio Bronze: R$ 1.500,00
 

Conecta: Qual a importância deste I Concurso de Monografia Jurídica da Esmape/TJPE, que teve como tema a Dignidade da Mulher como Direito Fundamental? E de que forma seu trabalho pode contribuir para esta temática?

Francisco: Foi louvável a iniciativa da Esmape TJPE em criar um prêmio de monografia para incentivar os seus magistrados e servidores a realizarem produções científicas e se voltarem para o mundo acadêmico e a escolha do tema central da Dignidade da Mulher foi um grande acerto.

O trabalho, por sua vez, analisou a correlação entre a vulnerabilidade financeira das mulheres e o rompimento do círculo vicioso de violência, a partir da análise de dados estatísticos, colhidos através de audiências realizadas com todas as mulheres que pleitearam medidas protetivas nos anos de 2017 e 2018. Isso, por sua vez, ocorreu como consequência da instalação do projeto Audiência de Acolhimento, que visa a promover a aproximação das mulheres com o Poder Judiciário, através uma escuta qualificada.

Na monografia, lançou-se a premissa de que havia uma vinculação entre os referidos vetores da capacidade da geração de renda e o tempo que elas esperavam - contado do primeiro ato de violência sofrido -  até a efetiva "denúncia" na delegacia.  Ao final, chegou-se à conclusão de que quanto menor a renda recebida, mais tempo as mulheres esperavam em silêncio até ativarem o sistema de justiça e pedirem algum tipo de proteção. Assim, ressalto que quanto mais cedo for rompido o círculo vicioso de violência doméstica mais feminicídios serão evitados.

Jorge: O concurso teve múltiplas importâncias: contribuir para a fomentar pesquisas com foco na Dignidade da Mulher, homenageou a história da Professora Maria Bernardette Neves Pedrosa, bem como fortalecer a Escola Judicial como promotora de conhecimento especialmente produzidos pelos magistrados, servidores e pelo público em geral.

Meu trabalho teve por objetivo traçar um paralelo entre as políticas públicas existentes na seara do Poder Executivo e na ordem Jurídica e sua efetividade para a consecução dos resultados pretendidos pelas referidas políticas. A pesquisa inicia com um panorama histórico-filosófico do conceito de Dignidade da Pessoa Humana, defendendo-se como sendo ele próprio um direito fundamental e um nascedouro para outros direitos fundamentais. Em seguida, tracei, em uma perspectiva histórica de como se formaram as políticas públicas no Brasil e defini, à luz do ciclo de políticas públicas, a formação das políticas públicas para combate à violência doméstica contra a mulher. Por fim, analisei a Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/2006) sob o enfoque da política pública que ela fortemente carrega, evidenciando as dificuldades ainda encontradas para sua plena efetividade.  

Ana Kelly, Maria do Carmo e Rozeane: Foi uma importante iniciativa que tem grande contribuição no fomento a estudos nessa área, no âmbito da instituição. Atuamos no Projeto Novo Acolher que funciona, desde 2016, na 2ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, sendo um trabalho totalmente voltado à temática em questão. O Projeto tem contribuído para o atendimento às demandas das mulheres em situação de violência doméstica e familiar.

A monografia tem como título “Entre memórias, lágrimas e superação: mulheres em situação de violência de gênero, acolhimento institucional e o papel da rede de enfrentamento da violência contra a mulher” com objetivo de apresentar a experiência do Projeto Novo Acolher a partir da fala da mulher, extraída por meio de uma escuta ativa. Foi utilizado como base teórica, além dos marcos legais, autores que abordam as questões que envolvem as desigualdades de gênero e a violência contra a mulher. Por fim, a proposta do trabalho é divulgar e expandir experiências de acolhimento institucional no âmbito do judiciário, dando conhecimento da boa prática.


Vencedores do Concurso de Monografia da Esmape ao lado dos desembargadores Daisy Andrade e Jones Figueirêdo e do juiz Saulo Fabianne

Conecta: Quais são as grandes mulheres que serviram de inspiração para a sua monografia e para a sua vida? Por quê?

Francisco: Não há ninguém neste mundo que eu ame mais do que minha mãe Francisca. Sem dúvida, ela é minha grande inspiração. Sua dedicação e amor incondicionais ao longo da vida me servem de inspiração, diariamente, para acolher as mulheres que clamam por ajuda, a fim de possibilitar que elas vivam seguras dentro dos seus lares, exercendo sua dignidade.

Jorge: Cinco pessoas foram inspiradoras para a pesquisa, por motivos diversos. Primeiramente, do ponto de vista acadêmico, a Professora Maria Bernadette é fonte permanente de incentivo à produção de pesquisa e ingresso na academia, por seu pioneirismo na Faculdade do Direito do Recife. Minha irmã, Emmanuella, que, por também pertencer à UFPE, na qualidade de Doutoranda em Educação, motivou-me a vencer desafios e a ingressar, também, no mundo acadêmico. De forma bem especial, minha mãe, Iolanda, é fonte de inspiração para tratar da Dignidade da Mulher pois ela personifica tantas outras mulheres que diariamente desdobram-se nas missões de trabalhar fora de casa e criar seus filhos. Por fim, não poderia deixar de citar três mulheres, juízas de Pernambuco, que me inspiram diariamente a perseguir o sonho de ingressar na magistratura estadual: Dra. Milena Cintra, Dra. Karla Fabíola e Dra. Pollyanna Pirauá.  

Ana Kelly, Maria do Carmo e Rozeane: Veronique Durand, antropóloga e pesquisadora; e Marylúsia Feitosa, juíza da 2ª Vara de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher.

Conecta: Dia 8 de maço é celebrado o Dia Internacional da Mulher. Na sua opinião, há mais motivos para comemorar ou para lutar?

Francisco: Nos últimos 40 anos, muitos avanços aconteceram, mas muito ainda precisa ser feito. As comemorações são importantes, pois nos impulsionam a seguir lutando.  É triste que a gente ainda precise falar sobre esse tema. Eu sonho com o dia em que não haverá distinções e preconceitos entre as pessoas apenas pelo seu gênero. Avante!

Jorge: Pude concluir, pelo estudo feito na pesquisa, os significativos avanços para o rompimento do ciclo de violência doméstica, especialmente após a entrada em vigor da Lei Maria da Penha. Por isso, entendo que temos muito mais motivos para comemorar. Houve uma grande evolução, sobretudo do ponto de vista de conscientização dos direitos da mulher. Não posso deixar de lembrar, contudo, que a luta é permanente e necessária. Permanente para que possamos buscar sempre melhores cenários e necessária para que não permitamos que os avanços alcançados sejam apagados.

Ana Kelly, Maria do Carmo e Rozeane: Sem deixar de reconhecer as conquistas alcançadas até aqui pelo segmento, diante da conjuntura de aprofundamento das desigualdades sociais, que tem fortes rebatimentos na vida das mulheres, há muito para lutar. Pois embora tenhamos avançado no atendimento as situações de violência, há um longo caminho a percorrer para se eliminar as causas da problemática em questão, a iniciar, evidentemente, pelo trabalho com as mulheres nesta situação.  

Conecta: De que forma esta premiação e, consequentemente, valorização repercutem no trabalho que você desempenha no TJPE?

Francisco: Acho que todos nós precisamos de estímulo para seguir adiante. Estou muito grato ao TJPE e à Esmape por esse reconhecimento e isso me faz seguir adiante com mais garra.

Mas, não é sobre ganhar ou não um prêmio, é sobre não desistir diante dos obstáculos que se apresentam... Estamos assoberbados, cheios de urgências e de trabalho e é muito mais fácil seguir o fluxo e não arranjar novos desafios.

Eu fiz uma escolha diferente. Acreditei que dar publicidade ao projeto desempenhado pela minha equipe poderia salvar vidas. Preferi sacrificar minhas madrugadas e finais de semana para escrever sobre a necessidade de se buscar a autonomia financeira das mulheres como forma de abreviar o círculo vicioso de violência.  Espero apenas que algo seja mudado com base nessa pesquisa e, se isso puder ajudar pelo menos uma mulher eu já me darei por satisfeito.

Jorge: De forma extremamente positiva! Ver que o seu esforço foi premiado e que, de fato, despender várias horas do dia, dos finais de semana e horários de descanso para vencer o desafio de ser premiado, aumenta a confiança no seu potencial e torna viva a mensagem de que sou capaz, inclusive, de alçar voos mais altos. Ademais, a premiação imprime a nítida mensagem de que o TJPE está buscando reconhecer e recompensar as outras potencialidades dos seus servidores, além do contexto da atividade judiciária. Em suma, é muito bom sentir-se reconhecido e valorizado pelo órgão que você trabalha.

Ana Kelly, Maria do Carmo e Rozeane: A premiação contribuiu para a reflexão sobre a prática profissional e, consequentemente, o seu aperfeiçoamento, bem como o aprofundamento teórico acerca da matéria. Por outro lado, os conteúdos remetem a necessidade da escuta ativa, sigilosa e comprometida, o que faz muita diferença no percurso desta mulher no atendimento do serviço público, em especial, no Judiciário. O fato de receber a premiação ilustra o quanto se fez importante pensar no atendimento à mulher na perspectiva da humanização e integração dos serviços da rede.
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Edição: Priscilla Marques | Ascom TJPE
Fotos: Gleber Nova | Esmape