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TJPE julga IAC e fixa teses jurídicas que obrigam os planos de saúde a custear o tratamento multidisciplinar de pessoas com autismo abrangendo métodos e terapias especiais
A Seção Cível do Tribunal de Justiça de Pernambuco julgou, nesta terça-feira (26/07), o Incidente de Assunção de Competência (IAC) nº 0018952-81.2019.8.17.9000, sobre a responsabilidade dos planos de saúde pelas despesas com tratamento multidisciplinar e terapias especiais aplicadas a pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA). O órgão colegiado do Tribunal, de forma unânime, negou provimento à apelação de um plano de saúde e ainda fixou nove teses jurídicas que garantem e definem o custeio e a cobertura por meio das operadoras de planos de saúde para o tratamento multidisciplinar envolvendo os métodos ABA, BOBATH, HANEN, PECS, PROMPT, TEACCH e INTEGRAÇAO SENSORIAL e as terapias especiais hidroterapia, equoterapia, musicoterapia, psicopedagogia e psicomotricidade. O relator do IAC é o desembargador Tenório dos Santos. O decano do TJPE, desembargador Jones Figueirêdo, presidiu a sessão histórica, que ocorreu de forma virtual pelo sistema Cisco/Webex e foi transmitida pelo YouTube
Em seu voto, o desembargador Tenório dos Santos explicou que caberá ao médico que acompanha o paciente definir quais métodos e terapias especiais serão usados no tratamento multidisciplinar. O plano deverá acatar a recomendação médica e oferecer esse tratamento em sua rede credenciada ou custeá-lo em rede particular, sempre atentando para a qualificação dos profissionais envolvidos no tratamento. O relator enfatizou que se a rede credenciada do plano não tiver profissionais qualificados, a família poderá recorrer a clínicas particulares e obter o ressarcimento da operadora. Caso haja negativa por parte do plano sobre a cobertura das despesas, poderá ocorrer a obrigação de indenizar o paciente e a família, a título de danos morais. A qualificação dos profissionais aptos a prestar o tratamento multidisciplinar, os métodos e as terapias especiais obedecerá ao art. 6º da Resolução Normativa da ANS nº 465/2021, à legislação específica sobre as profissões de saúde e à regulamentação de seus respectivos conselhos profissionais.
O voto do relator teve como fundamento o direito à saúde previsto na Constituição de 1988, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ), além do material gerado pelas três audiências promovidas pelo TJPE em 2021 para ouvir especialistas sobre TEA, entre eles médicos cientistas. “O tratamento multidisciplinar de pacientes com autismo utilizando métodos e terapias especiais é reconhecido pelo Ministério da Saúde e aplicado pelo Sistema Único de Saúde (SUS). Não faz sentido excluir esse tratamento multidisciplinar do rol de coberturas dos planos de saúde. Entendo que esse tratamento é de cobertura contratual obrigatória dos planos, desde que aplicado por profissionais de saúde”, destacou no voto o desembargador Tenório dos Santos.
Durante mais de duas horas, o desembargador Tenório dos Santos explicou cada ponto do seu voto de 49 páginas. Em seguida, os demais 13 desembargadores também debateram o tema, fazendo a audiência de julgamento durar mais de cinco horas.
No fim da sessão, o decano do TJPE, desembargador Jones Figueirêdo, destacou como histórico o julgamento do IAC em relação ao direito à saúde previsto na Constituição Federal e para os pacientes com autismo. “A matéria posta aqui pelo seu elevado alcance social e sua repercussão faz desse julgamento um marco histórico para o TJPE, que neste momento torna-se a primeira corte estadual a analisar esse tema tão importante para a saúde de milhares de pacientes”, afirmou o magistrado presidente da audiência que obteve mais de 2 mil visualizações em tempo real no canal oficial do TJPE no YouTube durante mais de cinco horas de julgamento.
O Incidente foi suscitado por questão de ordem do desembargador Frederico Ricardo de Almeida Neves e acolhido pela 5ª Quinta Câmara Cível do TJPE. Na sessão, o magistrado falou da importância do julgamento. “Peço licença da questão técnica levantada e discutida. Desde que ingressei na magistratura em 1985, há 37 anos, percebi que o magistrado, para além de examinar a questão jurídica, ele deve também fundamentalmente lançar um olhar atento às questões filosóficas, sociológicas e humanísticas que estão presentes naquela causa. É por isso que, neste contexto, considero importante que se faça uma reflexão sobre os valores éticos que abarca o tema ora submetido a este colegiado. O desembargador Jones falou da questão ética que temos neste processo. Estou totalmente de acordo. A palavra grega phrónesis signifca prudência, o dever de cuidado para identificar a melhor ação e deliberar no sentido das boas escolhas. Com essa expressão, concluímos que não basta saber o que é certo. É preciso agir corretamente. Eu acrescento: não basta saber o que é justiça. É preciso ser justo. Sobretudo no ato de julgar. Nessa esteira da expressão grega phrónesis, sob o ponto de vista ético-jurídico, o que seria bom e justo para as pessoas com TEA? E qual é a solução mais adequada para atender as necessidades dessas pessoas? O que seria bom para eles? O tratamento adequado, todos nós sabemos. Por isso, estamos julgando esse processo de forma ética, estabelecendo o que é bom e atende ao jurisdicionado. Voto com o relator”, afirmou Neves na sessão.
A Seção Cível é composta por 18 desembargadores, porém apenas 14 deles votaram. Compareceram e votaram os desembargadores Jones Figueirêdo, Frederico Neves, Adalberto de Oliveira Melo, Alberto Nogueira Virgínio, Cândido Saraiva, Eurico de Barros, Tenório dos Santos (relator), Eduardo Sertório Canto, Agenor Ferreira, Itabira de Brito, Fábio Eugênio Dantas, Márcio Aguiar, Gabriel de Oliveira Cavalcanti Filho e Silvio Romero Beltrão (substituto do titular desembargador Stênio Neiva, temporariamente convocado para o STJ). Não votaram na sessão os desembargadores Fernando Ferreira (de férias), Fernando Martins e Bartolomeu Bueno (declararam-se impedidos), e Sílvio Neves Baptista Filho (em viagem institucional pelo TJPE).
No início da sessão, houve sustentações orais dos advogados Leonardo Cocentino (pela SulAmérica), Robson Menezes (pela Associação Afeto), Franklin Façanha (pela OAB-PE) e das advogadas Mirela Lacerda (pelo autor da ação) e Aline de Moura (pela Fenasaúde).
O Ministério Público de Pernambuco (MPPE) foi representado pelo procurador de justiça, Carlos Roberto Santos.
O julgamento do IAC fixou as seguintes nove teses jurídicas:
Tese 1.0 – Para a cobertura dos procedimentos que envolvam o tratamento/manejo dos beneficiários com o Transtorno do Espectro Autista, a operadora deverá oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico ou dentista assistente para tratar a doença ou agravo do paciente, nos termos da Resolução Normativa da ANS nº 465/2021, (com a redação dada pela Resolução da ANS nº 539/2022), inclusive em ambiente escolar e domiciliar, à luz do disposto na Lei nº 12.764/2012 art. 3º, I, II e parágrafo único.
Tese 1.1 – Os requisitos necessários para que o profissional de saúde seja considerado especialista nos métodos ABA (análise do comportamento aplicada), BOBATH, HANEN, PECS, PROMPT, TEACCH e INTEGRAÇAO SENSORIAL, de acordo com o art. 6º da Resolução Normativa da ANS nº 465/2021, deve estar conforme legislação específica sobre as profissões de saúde e regulamentação de seus respectivos conselhos profissionais.
Tese 1.2 – Comprovada a inaptidão e/ou indisponibilidade da rede credenciada para oferecer atendimento por prestador apto a executar o método ou técnica indicados pelo médico assistente para tratar a doença ou agravo do paciente com TEA – Transtorno do Espectro Autista, cabe o custeio pelo plano de saúde do mesmo tratamento na rede particular, consoante dispõe a Resolução Normativa nº 539/2022 da ANS.
Tese 1.3 – O reembolso: a) será nos termos do contrato, consoante previsto no art. 12, VI, da Lei 9.656/1998, para os casos em que, mesmo havendo a prestação adequada do serviço de saúde na rede credenciada, o beneficiário optar por realizá-lo na rede particular; b) será integral, no prazo de 30 (trinta) dias, quando a operadora descumpre o seu dever de garantir o atendimento, ante a indisponibilidade ou inexistência de prestador integrante da rede assistencial conveniada, nos termos do art. 9º da Resolução da ANS nº 259/2011; c) será integral, no prazo de 30 (trinta) dias, na hipótese em que, por recusa manifestamente indevida de cobertura pelo plano de saúde, o beneficiário seja obrigado a pagar os custos do atendimento.
Tese 1.4 - A negativa de custeio das terapias multidisciplinares de cobertura contratual obrigatória para tratamento do Transtorno do Espectro Autista poderá ensejar reparação por danos morais, mesmo antes da entrada em vigor da Resolução Normativa da ANS nº 539/2022.
Tese 2.0 - As terapias especiais de hidroterapia, equoterapia, musicoterapia, psicopedagogia e psicomotricidade, quando aplicadas por profissionais da área de saúde, têm obrigatoriedade de cobertura pelas operadoras de planos de saúde.
Tese 2.1 - Comprovada a inaptidão e/ou indisponibilidade da rede credenciada para oferecer atendimento por prestador apto a executar as terapias especiais de hidroterapia, equoterapia, musicoterapia, psicopedagogia e psicomotricidade, indicadas pelo médico assistente para tratar doença ou agravo do paciente com TEA – Transtorno do Espectro Autista, cabe o custeio pelo plano de saúde do mesmo tratamento na rede particular, consoante dispõe a Resolução Normativa nº 539/2022 da ANS.
Tese 2.2 – O reembolso para as terapias especiais de cobertura obrigatória de hidroterapia, equoterapia, musicoterapia, psicopedagogia e psicomotricidade: a) será nos termos do contrato, consoante previsto no art. 12, VI, da Lei 9.656/1998, para os casos em que, mesmo havendo a prestação adequada da terapia na rede credenciada, o beneficiário optar por realizá-la na rede particular; b) será integral, no prazo de 30 (trinta) dias, quando a operadora descumpre o seu dever de garantir o atendimento, ante a indisponibilidade ou inexistência de prestador integrante da rede assistencial conveniada, nos termos do art. 9º da Resolução da ANS nº 259/2011; c) será integral, no prazo de 30 (trinta) dias, por recusa manifestamente indevida de cobertura pelo plano de saúde, o beneficiário seja obrigado a pagar os custos do atendimento.
Tese 2.3 - A negativa de custeio das terapias especiais de hidroterapia, equoterapia, musicoterapia, psicopedagogia e psicomotricidade de cobertura contratual obrigatória para tratamento do Transtorno do Espectro Autista enseja reparação por danos morais, a partir da entrada em vigor da Resolução Normativa da ANS nº 539/2022, que as regulamentou.
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Texto e imagem: Bruno Brito | Ascom TJPE